Poeta universal e brilhante, Dante Alighieri (1265-1321) é sempre atual, pois eleva a complexidade da vida humana a tema central de sua obra. É considerado pela crítica como fundador da literatura laica, pois apesar de privilegiar conceitos teológicos sobre a vida espiritual em sua obra, coloca o homem como centro da vida, com a multiplicidade de sua dor, de suas dúvidas, de suas angústias.
A divina comédia é desafiadora e incita a curiosidade de leitores de todos os tempos que tentam segui-lo nas veredas de sua insólita viagem pelo além-túmulo, mas muitos sucumbem após as primeiras incursões pelo texto que lhes parece demasiado enigmático para ser compreendido.
Desse modo, professores, tradutores e críticos esforçam-se para auxiliar na tarefa de desvendar a riqueza da obra dantesca. Este é o caso da tradução de Inferno, realizada por Maria Teresa Arrigoni e Silvana de Gasperi.
Elas propõem a reescrita da primeira tradução do texto dantesco realizada no Brasil pelo barão da Vila da Barra, Francisco Bonifácio Abreu (1819-1887), e lançada em 1888. As autoras são responsáveis pela atualização, correção (quando necessária) e adaptação da tradução, bem como pelas notas explicativas e por um excelente texto introdutivo que oferece aos leitores dados instigantes sobre o autor e sobre o primeiro tradutor brasileiro, e ainda sobre toda obra dantesca e sobre inúmeras leituras críticas e manifestações artísticas mais recentes que se baseiam no Inferno.
A proposta das tradutoras é a de tornar acessível a obra dantesca, em linguagem atual e simplificada, para que o leitor possa se aproximar da escrita apreciando a riqueza dessa mensagem literária.
Dante faz do diálogo com a literatura clássica e com a cultura de seu tempo o ponto de partida de sua mensagem artística, em meio a paisagens tenebrosas e assustadoras nas quais ouve os relatos das almas penadas, silenciadas pela morte e pelo tempo, que ressignificam suas histórias e nos fazem refletir sobre a importância da ação humana para o futuro de nossas vidas, ao examinar as consequências individuais no além-túmulo e as coletivas no mundo humano, já que as sociedades herdam as ações dos antepassados.
Para realizar seu projeto literário, o autor florentino escolhe a “língua vulgar”, própria para a “comédia”, o texto “marginal” marcado pela liberdade tanto de conteúdo quanto de estilo e de linguagem. Podemos acrescentar também que o texto iniciado pela tragédia dos danados se encerra na comédia, ou no feliz sorriso dos beatos.
Ao optar pela língua vulgar, a língua ainda em formação, com a hibridação de termos sofisticados do latim com formas dialetais, Dante abdica à sonhada coroa de louros que teria certamente sido sua, se a obra fosse escrita em latim, que era então a língua da literatura elevada, mas ao fazê-lo, torna-se o pai da língua italiana e o fundador da nova literatura; assim, a Itália e sua língua nacional devem muito ao ato revolucionário desse poeta que se atreveu a romper as barreiras do mundo conhecido e adentrar, em primeira pessoa e com a língua nova, nos mistérios da alma humana.
Dante propõe-se, em todas as suas obras, a deixar as marcas de seu pensamento individual, de modo que redimensiona ousadamente a posição histórica do homem e da literatura. Seguindo Dante em seu ato revolucionário, Maria Teresa Arrigoni e Silvana de Gasperi buscaram reescrever sua obra com liberdade expressiva e poética, na “língua nova”, o português o século 21, para repropor um novo diálogo da modernidade com a sempre bela e atual obra dantesca.