Tudo que não sei sobre a poesia

Fernando Koproski busca aprofundar uma voz lírica, tomada de certa agonia fina e discreta
Koproski: o amor está no centro de sua poesia
01/03/2004

A primeira coisa a se dizer desse livro é o prazer inicial de tomá-lo nas mãos como um objeto, graças ao belo projeto gráfico de Juliana Teixeira Lima, que encontrou na escolha do papel um resultado incomum quando se trata de livros de poesia. Isso porque os livros de poesia, quase como regra, são editados de forma simplória, certamente porque são os autores mesmos que os publicam, uma vez que as editoras não se interessam por dar-lhes um tratamento à altura, até mesmo para buscar novos leitores. Trata-se de um acerto da Travessa dos Editores que, se manter essa qualidade, poderá formar uma coleção de poesia como muito raramente já ocorreu no Brasil e, com isso, ganhar visibilidade junto ao público leitor, colocando à prova a falácia sempre repetida de que poesia não vende — se assim fosse não teríamos a longevidade e o trabalho da Editora 7Letras, que edita a revista de poesia Inimigo Rumor há anos e recentemente associou-se à editora Cosac & Naify para editar poesia com a suntuosidade merecida.

Quanto ao livro de Koproski, é de Juliana Teixeira Lima também a foto de capa, que foca um trampolim de piscina olímpica vazio e um pedaço da escada pela qual se chega a ele, visto de baixo para cima, numa posição que o mostra ao leitor como que inclinado para baixo, para o abismo, sugerindo o vazio que é próprio da poesia. Outro detalhe dessa foto, a de um nadador se jogando no vazio de braços abertos, não aparece nessa capa, mas, de forma criativa, no branco da contracapa e em todas as páginas da esquerda, brancas, sempre numa posição diferente, de tal modo que se folhearmos o livro rapidamente, vemos um filmete desse corpo girando no ar, numa correspondência perfeita com a linguagem poética.

Saltando, então, nesse vazio prometido, uma inquietude vem ao leitor: será que a poesia de Koproski nos leva ao abismo?

Trata-se de seu terceiro livro, que sucede Manual de ver nuvens (1999) e O livro de sonhos (1999, ambos editados por ele mesmo) e que busca aprofundar uma voz lírica, tomada de certa agonia fina, discreta, à qual procura fazer o leitor imaginar um fundo musical flamenco, por fim concretizado no CD que acompanha o livro. Gravado no Mantra Estúdios de Curitiba com os violões de Luciano Romanelli e o sapateado de Ana Lucía Diaz, o CD apresenta um belo resultado que nos dá a tensão dos violões flamencos e o sapateado que os pontua, fazendo fundo à voz de Koproski, que transparece certa contenção emocionada, à qual às vezes falta maior tragicidade para corresponder ao texto do poema ou ao tema, como em um dia perfeito para morrer, mas que encontra seu tom adequado em outros, nervoso, intenso, como em porque há um excesso de céu – tema 2 (rumba para Amélia Cristina). Em todo caso, a voz poética do autor é destacada e o salto no abismo é a todo momento anunciado entre as cordas dos violões, de onde se escuta versos agônicos como “há borboletas se debatendo dentro de minha cabeça. e não sei o que fazer. hoje elas já amanheceram assim” — para o que não há mais o que dizer, apenas sentir.

Esse novo livro explora um tema já anunciado nos anteriores, o amor, que Koproski disse em entrevista a Marcio Renato dos Santos, no Jornal do Estado (23/11/03), ser para ele “algo inevitável, pois todo poema é poema de amor. Não acredito em poema que assim não o seja”. Essa certeza tem algo de positivo na medida em que delimita com clareza um projeto, porém, tal tema, já de saída, coloca o desafio de não se cair no lugar-comum da pieguice e chafurdar na repetição pela enésima vez das falas banais que vemos em todo lugar, das conversas cotidianas, passando pelos namoricos de casais infantilizados, até sua overdose na televisão, cujo tom geral é a superficialidade edulcorada e destituída da tragicidade visceral que pede a arte.

Nesse sentido, o livro de Koproski peca pela presença de textos como Procura-se Uma Musa, um beijo é apenas um beijo ou menina de olhos verdinhos que seriam dispensáveis ou pediriam maior elaboração de linguagem, pois destoam da escrita que o autor vem praticando e que é lembrada por versos como o já citado ou um, do livro anterior, “amor então acaba desse jeito, depois de morrer as flores, esquece seus cadáveres no meu peito”. Ainda que ele tenha dito na já citada entrevista que percebeu “o quanto eram fúteis e desnecessárias as máscaras, disfarçadas de estéticas, que muitos ‘poetas’ contemporâneos tanto prezam e consideram”, no que tem razão em relação a muitos casos, e ainda que movido pela “urgência de dizer”, não parece aceitável que deixe baixar demais a guarda, perdendo o tom preponderante de sua escrita.

É importante que se frise que essa escrita tem a grande virtude de ter nascido da experiência trágica da perda (“a morte de algumas pessoas que muito me significavam”), o que dispensaria, por isso, as máscaras retóricas da linguagem artificiosa, esteticista, conforme sugerido pelo autor, reafirmada no poema petulância das pétalas: “mas que petulância dos poetas em dizer/ que não é poema esse poente/ permanente das pétalas dentro da gente” (mas que, nem por isso, permitiria cair naquele outro já mencionado artificialismo do lugar-comum). O empobrecimento das experiências ou até mesmo o seu desaparecimento nas sociedades altamente urbanizadas contemporaneamente, que as diluem, asseptizam ou glamourizam esvaziando-as de sentido, aponta o alto valor de se recuperá-las ou explorar seus sentidos, como forma de se ir contra esse estado de coisas e revalorizar o humanismo e a tragicidade da vida em sua essência.

Reside aí, portanto, o grande acerto da poética de Koproski que, motivada pelo sentido dos versos camonianos “Um não sei quê, que nasce não sei onde,/ Vem não sei como, e dói não sei porquê”, alcança o lirismo terno de versos como “em quantas rosas é preciso perder uma a uma as tuas pétalas/ para se aprender a escrever primavera?” e chega à lucidez de que “no fim, quando não mais sentir, você ainda vai sentir por esquecer…”, coreografando saltos para o abismo da linguagem.

ódio platônico

a tua dor que me desculpe
o que você sente nem tem mais sentido
amor então que me preocupe
mas o teu ódio não será correspondido

para odiar te falta destreza
nesse olhar mais mágoa que a tristeza
se ainda não tiver percebido
tua aspereza não me deixa comovido

nem se disser que o que você sente
para nós dois é suficiente
terá possibilidade

um dia você vai entender obsessão
e não ódio de verdade
o que se odeia quando se adia o coração

tudo que não sei sobre o amor
Fernando Koproski
Travessa dos Editores
82 págs.
Ademir Demarchi
Rascunho