Luís Augusto Fischer debuta na prosa longa com Quatro negros, novela que se destaca por um consistente trabalho narrativo. O narrador, em primeira pessoa, apresenta a trama e, sistematicamente, faz interrupções, coloca vírgulas, insere informações complementares — e não revela, de imediato, o que havia anunciado revelar. A estratégia tem origens, também, na cultural oral; e tal atitude, de acordo com o narrador, é uma das características do gaúcho: “Gaúcho, como tu deves saber, não responde de primeira, direto; prefere ir mais devagar, com algum rodeio, do mesmo jeito como se conduz os animais, com jeito e cercando, pelas beiras, pelas bordas, como se come mingau quente”. O narrador dialoga com os leitores; por exemplo, comunica que houve modificação no que havia sido dito anteriormente. O narrador conversa com a tradição; entre outros, com Guimarães Rosa, ao desvendar aspectos de um Brasil não-oficial. O narrador estabelece interlocução com a crítica; sobre, entre outras questões, como nomear uma personagem. E, durante toda a narrativa, o narrador sugere que a narração é feita enquanto está sendo apresentada, como se fosse um bate-papo; assim, o narrador também está a construir pontos de contato com a oralidade.
Este projeto de ficção do gaúcho Fischer mostra — por meio da visão de um narrador branco intelectual de classe média — de que forma uma família negra pobre do interior se adapta na cidade grande. Nove negros sem sobrenome (o pai, a mãe e sete filhos) migram de Caçapava, região pampeana, para Porto Alegre. E o narrador, o mesmo que discute aspectos literários, faz o recorte e apresenta apenas os personagens que, para ele, rendem ficção. Da família, a trama seleciona três: Janéti, que era Janete; Airton, que se tornou Jorge; e Rosa, que nasceu Rosi. O quarto negro é um idoso, da mesma região de onde a família surgiu, o Sinhô — neto de um escravo, ou cativo, que apanhava pouco porque sabia tocar aricungo ou, como a narrativa irá explicar, berimbau.
Quatro negros se propõe, e consegue, discutir esse inexplicável detalhe que é a existência enquanto problematiza sobre seres que só aparecem em estatísticas, como o personagem Airton/Jorge, que vai ser, casualmente, baleado durante um assalto a ônibus. Assim, Fischer apresenta/constrói para a ficção brasileira a origem daqueles tristes pobres negros gaúchos: os muitos que se espalham pelas ruas de Porto Alegre, os informais, sejam ambulantes, faxineiras, garçons ou membros de escolas de samba; enfim, os desgarrados, os que perderam as raízes e talvez nunca venham a saber, como seus antepassados — como o personagem Sinhô —, se vai chover pela cor do fim do dia ou como se trançam guascas para fazer um sovéu.
O livro ganhou o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) na categoria novela. A literatura brasileira ganhou mais um autor de fôlego. E outra página, bem escrita, de sua história.