Traduzir é uma arte, uma arte exigente, uma arte sutil. Claudio Abramo em O corvo — Gênese, referências e traduções do poema de Edgar Allan Poe deixa a sutileza de lado e apresenta seu indispensável trabalho de crítica e análise sobre a tradução. Aponta a regra vigente no Brasil e, segundo sua experiência e estudo, como deveriam trabalhar nossos tradutores. Ou melhor, também analisa traduções de estrangeiros.
O objeto do trabalho de Claudio é o poema The raven, apresentado no original e em várias traduções. De Machado de Assis, passando por uma tradução em prosa de Abramo, a traduções de Baudelaire e Mallarmé.
A tradução é um campo que ainda não recebeu a devida atenção. O corvo — Gênese, referências… é obra indispensável aos cursos desta área em nossas universidades. Tradução, essa terra de ninguém, campo onde aventureiros, escudados nas máximas “traduzir é trair”, “transcriação e as liberdades daí advindas” ou “traduzir é reescrever”, conseguem desfigurar completamente uma obra. Este aprendiz, também no ofício de traduzir, entende que no centro desse debate encontram-se a tradução, as várias formas, e o original. O grau de equivalência do texto de chegada em relação ao texto de partida. Equivalência quer dizer sonoridade? Para alguns sim. Priorizar sons e ritmos, deixar a semântica em segundo plano, esse o modus operandis da maioria tradutora brasileira.
Claudio Abramo não se alia a tal corrente. Entende que ao agir dessa forma a tradução despreza o que há de mais importante no poema.
O trabalho de Abramo é de uma riqueza rara em livros de crítica literária. Aqui, além das questões técnicas, estão bastante evidentes o estudo entusiasmado (só para não dizer apaixonado) e a coragem com que expõe sua insatisfação com os rumos tomados pela tradução no Brasil. O autor rema contra a corrente e, como não sou de ficar em cima do muro, pulo para o interior de seu barco.
“Coragem” pois aponta equívocos no trabalho do, para muitos — não me incluo —, intocável Machado de Assis. E a coisa torna-se ainda mais grave, Claudio revela a origem de tais problemas: nada mais nada menos que a tradução de Baudelaire. Pois é, Machado de Assis não teria usado o original, The raven; trabalhou a partir de Le corbeau, a tradução assinada por Baudelaire, e repetiu os erros do poeta francês.
Claudio Abramo aponta os erros, diz como seria o correto e justifica lançando mão de notas e observações. Sobre a tradução de Fernando Pessoa, por exemplo:
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
A seguir, Abramo esclarece:
Os tempos ancestrais não são “bons” no original, mas “santos”. Mais adiante na 12ª estrofe, Pessoa coloca “maus tempos ancestrais”, um jogo de contrários que de modo algum está presente no original. Pessoa identifica Palas a Atena, uma imprecisão comum.
Dentro da imensa gama de teorias da tradução, escopo, equivalência (em seus intermináveis tipos) você, caro tradutor, com certeza encontrará ao menos uma que preencha suas expectativas ou limitações.
Tem para todos os gostos. Pobre leitor monoglota. Engolirá cada coisa!
A tradução não é uma terra de ninguém, tampouco um laboratório a produzir clones, mas deixa nítida sua origem, a paternidade, se é que me faço entender.