Tem olho grande no Paraná

Projetos inovadores colocam o Paraná como um dos mais importantes pólos culturais do Brasil
01/11/2002

Esse pessoal do Paraná está começando a causar inveja. Antigamente, você dava uma voltinha por lá e ficava encantado com alguma coisa. As cidades funcionam, o povo é ordeiro, o verde é preservado. Mas sempre se voltava para casa com a sensação de que faltava algo. Básico. O roteiro cultural deixava a desejar. Uma das poucas atrações era um tal de Vampiro de Curitiba, que não saía de dia e se escondia à noite, o que, aliás, todo literato deveria fazer.

Mas esta história está mudando. A começar por este tal de Rascunho, surgido das profundezas não se sabe de onde, uma tal de Filastro Nunes Pires, se é que a rua existe. Aí vem um prêmio Jabuti aqui, um Cruz e Souza lá, e os caras vão se achando e se infiltrando na literatura.

Que bom se fosse mesmo só na literatura. Meu, os caras estão com planos megalomaníacos. E já dobraram gente de muito quilate. Até o ranzinza Niemeyer aquiesceu. Acreditem, O Arquiteto aceitou, pela primeira vez, reciclar uma obra. Nos anos 60, ele projetou para o Governo do Paraná o edifício Castello Branco, um prédio comprido, mas deitado, no Centro Cívico, em Curitiba. Até poucos meses, o lugar abrigava secretarias estaduais. Agora, está prestes a virar o maior e mais moderno museu de arte do Brasil. Até FHC já confirmou presença na inauguração, em novembro.

Antes mesmo de abrir, a grande atração do NovoMuseu já é o “retoque” de Niemeyer no prédio. Além de elaborar o projeto de reforma, ele desenhou um anexo em forma de um grande olho, aparentemente flutuando diante da antiga construção. A obra suspensa, com 30 metros de altura, chama atenção de qualquer um que passe na frente.

Mas o olhão não é só enfeite. Terá uma ligação subterrânea com o prédio já existente e abrigará uma sala de exposições de 1.700 metros quadrados e outra, no andar inferior, de 900 metros quadrados. Na torre, serão instalados três elevadores ligando o espaço superior ao andar térreo e ao subsolo. O anexo terá uma ampla fachada de vidro que refletirá a paisagem do Centro Cívico.

“Pedi ao Niemeyer para que ele conhecesse todo o projeto do NovoMuseu antes de dar a resposta sobre a reciclagem do prédio”, lembra o governador Jaime Lerner. “Quando ele viu a extensão da proposta, de criar um novo momento positivo na área cultural para o Paraná e para o Brasil, não teve como recusar.”

Mexicanos – O Museu de Arte do Paraná será instalado em um complexo de 144 mil metros quadrados, que inclui um bosque. Ele terá 33 mil metros de área construída, dos quais 15,3 mil metros serão destinados a exposições. Além de artes plásticas, o museu se destinará à arquitetura, às artes visuais e às cidades. O investimento é de US$ 13 milhões.

Uma sofisticada rede informatizada será responsável pela segurança e pelo sistema de combate a incêndios. Além disso, pela internet, o visitante poderá conhecer previamente as exposições acessando o site do museu.

O museu terá um auditório para 400 lugares e uma sala de 70 lugares. O projeto privilegia também a instalação de ateliês de restauro de obras (estufa e laboratório), oficinas de marcenaria e pintura. A reserva técnica, com docas para carga e descarga de obras e materiais de preparo de exposições, terá espaço para a guarda de embalagem e até mesmo área de quarentena para obras que chegarão ao museu. Todo o espaço terá controle de temperatura e umidade de ar. A segurança será reforçada com um circuito interno de televisão.

A tecnologia é outra estrela do NovoMuseu. Através de um sistema de videoconferência, Niemeyer acompanha, de seu escritório no Rio de Janeiro, toda a obra, 24 horas por dia. O mesmo sistema vai garantir o acesso de estudantes de todo o Paraná. “Alunos poderão ter uma aula, ver uma exposição ou assistir a uma palestra feita no NovoMuseu. Estamos usando a tecnologia a favor do Paraná, alimentando escolas e universidades”, explica o secretário de Assuntos Estratégicos, Alex Beltrão, responsável pelo acompanhamento das obras.

Lerner não gosta muito de usar o termo futurístico em seus projetos, mas não teve como segurar o sorriso largo com os elogios do artista Franz Krajcberg, que visitou as obras do NovoMuseu em outubro. “Este museu será uma verdadeira porta para o século 21. As pessoas ainda não têm noção da importância deste espaço para o País”, afirma Krajcberg, que deve ganhar em breve uma instalação permanente no Jardim Botânico, outra maravilha da capital paranaense.

O NovoMuseu será inaugurado com sete exposições. Entre elas a do acervo do mexicano Pascual Gutiérrez Roldán, com cerca de 400 obras, que reúne importantes nomes da Escola Mexicana, conhecida por sua posição de vanguarda nos anos 20. Estarão expostas obras de Diego Rivera, José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueiros, três dos mais importantes muralistas mexicanos.

La Villete – Definitivamente, Curitiba é capital da cultura em 2002. Nos arredores da cidade, em Pinhais, outro gigante está nascendo. Até o final do ano, o antigo Parque Castello Branco abrirá novamente seus portões como o Parque da Ciência, um complexo que, além de lazer, vai oferecer educação informal em diversas áreas do conhecimento para toda população e, em especial, para estudantes do ensino básico e médio.

O parque vai ocupar um espaço de 80 hectares às margens da represa do Iraí. Só de áreas cobertas serão 40 mil metros quadrados, onde estarão à disposição do público maquetes de estruturas científicas (globos, mapas, grandes invenções), além de espaços para atividades circenses, bibliotecas e outros acervos educacionais. Quatro temas básicos comporão o Parque da Ciência: água, energia, meio ambiente e cidades. O investimento é de R$ 3 milhões. A gestão do projeto será feita por uma fundação. Para isso, contará com recursos do Governo do Estado e da iniciativa privada.

“Será um verdadeiro La Villette paranaense”, diz a secretária estadual da Cultura, Mônica Rischbieter, numa alusão ao magnífico complexo arquitetônico parisiense que envolve parque de ciências, jardins naturais e centros de atividades culturais e de lazer. “Com o novo parque, os mistérios da ciência e da natureza serão desvendados com leveza e criatividade, despertando a curiosidade e o amor ao conhecimento, essências ao progresso humano”, afirma.

Cinema – Se o NovoMuseu e o Parque da Ciência sacramentam Curitiba como referência cultural do Estado, os outros municípios não têm do que reclamar. O Governo do Paraná está restaurando 13 antigas salas de cinema construídas em cidades do interior nas décadas de 30, 40 e 50.

É o projeto Velho Cinema Novo, que reabre salas que foram fechadas por dificuldades econômicas de seus antigos proprietários ou por falta de manutenção adequada dos equipamentos. Algumas eram usadas como depósitos. O investimento para a recuperação destas salas é de R$ 15 milhões.

Além do cine-teatro de Morretes, inaugurado em outubro com o filme A Partilha, o projeto inclui as restaurações dos cine-teatros de Loanda, Andirá, Jacarezinho, Guaíra, União da Vitória, Rio Negro, Londrina, Castro, Arapongas, Apucarana, Ponta Grossa e Lapa.

O Velho Cinema Novo adequou as plantas originais dos edifícios às novas finalidades culturais. Com a reforma, foram construídos novos espaços cênicos como coxias, camarins e palco. As salas receberam sistemas de projeção e de som e melhoramento da acústica. As antigas cadeiras foram substituídas por confortáveis poltronas. Os edifícios restaurados receberam ainda espaços para a instalação de cafeterias, bibliotecas e salas de exposições.

O circuito cultural do Velho Cinema Novo abre espaço para que a produção cultural paranaense e brasileira circule com custos reduzidos, garantindo qualidade da programação. Uma parceria com distribuidores de filmes viabilizará a projeção de filmes comerciais ou artísticos em todas as salas do circuito.

Tem mais – Sim, tem mais. Voltando à literatura, não há como não falar da Imprensa Oficial do Estado, que deixou de ser uma mera impressora do Diário Oficial e tornou-se uma grande editora. Em meados de 1999, a Imprensa lançou a coleção Brasil Diferente, com a finalidade de recuperar a memória do Estado. A coleção completa tem 42 títulos, num total de 83.500 exemplares impressos.

A Brasil Diferente possibilitou a impressão de obras raras e reimpressões de títulos relevantes que estavam esgotados. Foram publicados integralmente os diários de Temístocles Linhares (1905-1993), seis volumes de 400 páginas cada um, com o título Diário de um crítico.

Outro destaque foi a reedição fac-similar da revista Joaquim, editada originalmente por Dalton Trevisan de 1946 a 1948, uma das mais importantes publicações culturais produzidas em no País no século 20.

Nesse resgate de memória, foram republicados os livros de Newton Sampaio, a poesia de Júlia da Costa e de Foed Castro Chamma, um livro-reportagem assinado por Rubem Braga e Arnaldo Pedroso d’Horta, além de obras sobre culinária, imigração e artes plásticas.

“A coleção Brasil Diferente foi e continua sendo saudada pela crítica especializada como o mais importante projeto literário que aconteceu no Brasil nos últimos 20 anos”, diz o diretor da Imprensa Oficial, o escritor e crítico literário Miguel Sanches Neto.

Somando-se a Brasil Diferente com outros livros editados pela Imprensa Oficial (co-edições, edições para a Secretaria de Cultura, etc.), o total de exemplares impressos na gestão de Sanches Neto foi de 168.800.

Em outubro, a Imprensa lançou a revista cultural Radar, que rastreará o que há de melhor na cultura brasileira. A primeira edição trouxe algumas raridades. O contista mineiro Luiz Vilela relata o encontro que teve com Dalton Trevisan, no ano de 1968 em Curitiba — material documentado por fotos, algumas inéditas.

Radar também traz as impressões que o escritor norte-americano John Dos Passos teve do Paraná, durante uma longa visita há meio século. Uma frase de Dos Passos resume estas impressões: “Curitiba, cidade agradavelmente intelectual, com uma grande biblioteca pública e um grande movimento de editora e de pesquisas históricas…”

É de causar inveja mesmo.

José Ambrósio da Silva

É jornalista.

Rascunho