Era final dos anos vinte quando uma pequena cidade do interior mineiro conseguiu se projetar nacionalmente graças à arte que seus filhos, legítimos e adotados, criavam. A semente plantada pelo Grupo Verde gerou vigorosos brotos e frondosas árvores nos quarenta anos seguintes, mantendo a Zona da Mata conhecida além dos círculos empresariais da tecelagem. Depois, Cataguases foi relegada ao ostracismo artístico. E não apenas a este, mas também ao industrial. Nestas quatro décadas de intensa produção de arte migraram para a pequena cidade arquitetos de renome, para ali edificarem sua criatividade, como é o caso de Oscar Niemeyer e Décio Bracher. Nas artes plásticas ainda se encontram por lá obras daqueles distantes anos, escultura de Jan Zack, trabalhos de Portinari, da Djanira, de Emérico Macier, da Nenzita. Quem há de questionar a importância de Rosário Fusco, de Francisco Inácio Peixoto, de Guilhermino César para as letras brasileiras? E o cinema, quanto deve a Humberto Mauro!
Essa Cataguases que queria se igualar a Paris foi enterrada debaixo de oito palmos de provincianismo e só era lembrada quando se ia à farmácia comprar um pouco de algodão de uma famosa marca, produzido por aqueles lados. Mas no final dos anos noventa, a cidade ressurgiu no cenário literário brasileiro. Primeiro com Luiz Ruffato e depois com Ronaldo Cagiano. Não só pelo fato de estes dois escritores serem cataguasenses, mas também porque recriam em seus livros aquela cidade mítica e enigmática de suas infâncias.
E é da Zona da Mata que a escritura de Marcos Vinícius Ferreira de Oliveira chega para o Brasil. Uma ou outra forma de tirania começa da seguinte maneira: “Pela janela do táxi, Vista Alegre invadiu sem cerimônias os olhos quase esquecidos de Cândido Bergara. Embrulhada na luz enérgica da manhã, a cidade pareceu-lhe repousar sob a tranqüilidade sólida das coisas que permanecem adormecidas no tempo”. Esta abertura prenuncia um texto carregado de lirismo e uma viagem pelo cotidiano de duas pequenas cidades mineiras: Cataguases e Vista Alegre.
Neste livro de estréia de Marcos Vinícius, composto por onze contos, as situações não se resolvem, a solidão tumular que permeia os textos conduz os dilemas das personagens a becos sem saídas, e não à toa é que o único caminho para elas é o da esperança. Sem maiores ousadias estilísticas, as narrativas de Uma ou outra forma de tirania objetivam tão-somente o prazer estético, raro de ser atingido e que o leitor inevitavelmente alcançará por meio de um texto limpo, direto e poético, distribuído em pouco mais de cem páginas.
Numa época em que o conto brasileiro está em alta novamente, não é empreitada fácil se sobressair em meio a estantes abarrotadas de lançamentos de excelentes contistas, mas o importante é que Uma ou outra forma de tirania cumpre bem o seu papel de ótimo livro. O resto é por conta da sorte.
A modorra das pacatas vilas interioranas é anunciada logo no primeiro parágrafo de cada conto. É assim que se inicia uma das melhores narrativas do volume, As irmãs Franco: “A manhã ia alastrando um leve azul-cinza por onde a vista pudesse alcançar. O correr de antigos casarões despertava ao ruído algazarrado dos pardais, rivalizando em desafinada intensidade com canários-da-terra, belgas e coleiros”. A literatura contemporânea andava esquecida dos passarinhos, das casas seculares dos latifundiários e Marcos Vinícius presta um enorme favor à memória dos contistas de hoje, ressuscitando um bucolismo que a agitação das megalópoles acabou por assassinar. Neste texto, três senhoras tentam sobreviver ao marasmo de uma rotina sem grandes atribulações ou afazeres, enquanto rememoram as aventuras passadas, remoendo invejas e isolamentos, e aguardam a morte.
Marcos Vinícius confirma a vocação de Cataguases, de ceder talentos para as artes, inserindo-se na lista de exímios escritores e intelectuais da bela cidade mineira, ao lado de Ruffato, Cagiano, Marcos Bagno, Joaquim Branco e Fernando Cesário, honrando a memória do movimento Verde e acenando como um nome promissor na literatura nacional.