Maria José Giglio, nascida em Mococa, interior paulista, em 1933, é contundente: “Não espero ser lida em um país de analfabetos”.
Também não espera ser aplaudida no exterior pela simples figuração em uma coletânea. São palavras amargas de alguém que nega estar em desencanto com a literatura. Onze livros publicados e quatro opúsculos. Participa de várias antologias de poesia no Brasil e no exterior. Mas isso parece não significar nada. Abandonou a cidade de São Paulo, onde vivia, e mudou-se para uma pequena cidade perto da capital, São Roque, onde fundou a Casa do Escritor.
Separou-se de quase tudo. Nega que tenha se imposto tal reclusão. Seus livros têm cuidadoso zelo pela poesia. Pode-se citar, por exemplo, Sonetos do oitavo dia (1967) Poema total (1971) e Elementares (1979). É comum dizer-se que Maria José Giglio vive “escondida” em São Roque.
Transformou-se. Certamente o poema Opus III, do opúsculo Para violino e sol, explique melhor:
O luar invade a casa
como uma serenata de cordas.
Na memória
essa lua olha
naquela sala antiga
o amor.
Minto.
Não era a mesma lua.
Nem a mesma sou.
Maria José Giglio afirma que paga um alto preço por sua lucidez, por manter acesa a chama de seu discernimento. É verdade que tudo esteja escuro. A liberdade deve ter seu preço. Distante, certamente a observação se torna mais aguda. A poesia não é o que se vê com tanta freqüência e facilidade.
Maria José Giglio sabe disso. Há muito a se dizer e escrever dela, mas sem sua participação. As palavras são difíceis. O poema pode explicar melhor:
Súbito, percebo:
O sol incide nos vidros
e se me movimento
organizo os reflexos.
Nem falta a dança
das ramadas
projetadas em sombras leves.
Seis pequenas janelas
audíveis.
Seis passos ao longo delas
e improviso:
luz, cristal e címbalos
este domingo.
Mariana Ianelli é o que poderia ter ocorrido de melhor nesta poesia de tantas lamúrias e gente equivocada. Ao primeiro contato com seus poemas tem-se a certeza de que ela é poeta, acima de tudo poeta. Três livros publicados. Livros de poesia. É preciso destacar isso. Poemas escritos por quem já conhece esse ofício de escrever poemas sem se deixar levar pelas facilidades em moda num tempo de barbáries poéticas. Felizmente ainda existem poetas como ela. Um olhar para o mundo. Mariana Ianelli, nascida em São Paulo, em 1979, acredita que o poema é um ato de fé. Acredita que a poesia seja um sacerdócio. Que seja. E assim ela segue os primeiros passos em livros que já podem ser considerados marcantes. A trajetória é ainda pequena, mas dá mostras de sua identidade. Destaque-se Duas chagas, no qual ela explica seu trabalho de unir “a beleza da palavra poética a um certo conteúdo da solidão”. Aos 25 anos, ela observa que seu livro — e certamente os outros dois — resultou de um pacto necessário com a dor. As palavras de Mariana são de significados vários. Os poemas que escreve são peças de elaboração de consciência poética. Ela se diz “um pequeno grão no deserto de um século”. Tem na poesia uma crença. Uma crença difícil de caminhos ásperos. A exemplo de outras mulheres poetas — como Eunice Arruda, Dalila Teles Veras, Neide Archanjo, Ilka Brunhilde Laurito, Mirian Páglia Costa, Astrid Cabral, Thereza Christina Rocque da Motta , e tantas outras — Mariana Ianelli é mais que uma afirmação poética. Que siga assim, como ela diz no seu poema Para amanhã:
Faz tua casa um fragmento de alma,
cobre o teu pensamento.
Vai, que estás em tempo de colher-te,
um minuto para ser teu.
Interrompe tuas regatas desbravadas,
saídas das marinas solitárias,
e retribui para terra a demonstração das tuas patas.
Que não há segunda vez,
um homem se agasalha da marga ou desiste.
Para terra dá teus domingos desagradáveis e os risíveis.
Fica lasso, pétala urdida no sol e na água.
Vai, capaz de crescer.