Sobre casas e livros

Resenha do livro "Pó de parede", de Carol Bensimon
Carol Bensimon, autora de “Pó de parede”
01/10/2008

A imagem do artista excêntrico assumiu diversas configurações desde que, por volta da metade do século 19, a boemia afirmou-se como modo de vida. O valor da autonomia passou a ser um dos fundamentos para caracterizar o produtor de arte. O artista passou a se retratar sistematicamente como desajustado e contestador. O jovem solitário e melancólico de Joyce, os beberrões de Bukowski e os diversos escritores de moral duvidosa de Rubem Fonseca são exemplos bastante distintos dessa tópica. O modelo se repete quanto à regra geral de contestação e desajuste, mas se atualiza a cada nova formalização e com a especificidade das novas circunstâncias envolvidas.

Em Pó de parede, livro de estréia de Carol Bensimon, o desajuste dos personagens e a tentativa de um percurso emancipatório estão presentes em diferentes momentos nas três histórias que compõem o volume. No primeiro conto, A caixa, Alice é uma adolescente solitária que encontra um lugar mais confortável no mundo quando passa a dividir seu tempo com Tomás e Laura. Estes, cada um a seu modo, apesar da vida de conforto material, também se sentiam desajustados em relação ao ambiente que os envolvia. A caixa, do título, é metáfora do desajuste de Alice. Trata-se de uma casa modernista, onde Alice mora com seus pais, com rampas e muito concreto (estranha no ambiente de casas mais discretas e convencionais). O estilo da casa, sempre visível, concretiza um desconforto íntimo da personagem. Mais tarde, com a chegada à vida adulta, o que inclui estudos em Paris, Alice retoma boas relações com a caixa. A narrativa muito bem estruturada cita ainda mais um desajustado, o arquiteto que projetou a casa e que receberá seu reconhecimento depois de morrer.

Em Falta céu, a construção de um empreendimento imobiliário movimenta uma pequena cidade, enquanto três adolescentes vivem suas descobertas na passagem para a vida adulta. Se, no primeiro conto, a especificidade da casa modernista acaba por ser valorizada, aqui a homogenização das casinhas do empreendimento é vista com distância e algum sarcasmo. Também em tom de crítica é feito o retrato do herói que retornou à cidade com a chegada do empreendimento (assim como Alice retornou de Paris, no primeiro conto do livro), depois de, por força do próprio trabalho, enriquecer.

É no terceiro conto do livro, Capitão Capivara, que aparece o personagem escritor. Clara, uma jovem de vinte anos, candidata-se ao trabalho em um hotel de luxo como gesto de independência em relação a sua família rica. Ela quer ser escritora. No hotel, encontra Carlo Bueno, escritor consagrado que produz best-sellers e inclui, no texto de seus livros, em troca de pagamento, referências a determinadas mercadorias. Não há dúvida: o retrato destes dois personagens não alimenta muito qualquer esperança libertária que parta de escritores. O humor afiado de algumas passagens do texto não elimina o mal-estar de encontrar a literatura reduzida ali a uma peça de publicidade, no caso do escritor rico e consagrado, ou à ingenuidade da jovem que busca liberdade divertindo crianças em um hotel de luxo enquanto os adultos participam de alguma convenção.

Do tom mais melancólico e delicado do primeiro conto e das críticas explícitas à homogenização e às implacáveis leis do mercado nos outros dois, surgiu na minha leitura de Pó de parede certa angústia em relação ao mundo descrito. As sutis revoltas dos personagens, em particular as dos escritores, são asfixiadas pelo ideal do acúmulo de dinheiro. A homogenização das práticas iguala vender casas a vender livros em uma única questão de propaganda e marketing. As transgressões são discretas. O artista não expõe seus motivos: ou é um esquisito em silêncio ou é um vendido. Em uma bonita cena, o próprio texto ironiza essa falta de força do ato transgressor. O escritor, à beira da piscina, divide alguns minutos com o funcionário do hotel encarregado de manter a água limpa. O narrador comenta: “íamos cometer uma espécie de crime, um crime verdadeiramente hediondo: hóspede e funcionário fumariam juntos o primeiro cigarro da manhã”.

Pó de parede
Carol Bensimon
Não Editora
128 págs.
Tony Monti

É escritor, autor de O mentiroso e O menino da rosa.

Rascunho