Sobre as atuais influências literárias

As correções, de Jonathan Franzen, Reparação, de Ian McEwan e Desonra, de J. M. Coetzee. Três livros
01/05/2007

As correções, de Jonathan Franzen, Reparação, de Ian McEwan e Desonra, de J. M. Coetzee. Três livros. Em comum o fato de terem sido escritos por autores de língua inglesa e editados no Brasil pela mesma editora, a Companhia das Letras. Franzen é americano, nascido em 1959. Coetzee, 1940, Nobel de literatura em 2003, é sul-africano; e McEwan é um inglês de 1948. Livros muitos diferentes entre si, cenários, épocas e enredos, e tradutores diferentes a vertê-los ao português. Uma coisa mais, relevante, chama a atenção. O fato de eu, um brasileiro de 1967, tê-los lido no último ano e meio. As correções, pedi a um amigo emprestado, os demais foram comprados, consumidos por vontade, não por obrigação.

Escritores são formados a partir de suas experiências pessoais e literárias. Na época de Machado de Assis, o mundo bebia dos franceses. Depois, os russos vieram a dar o sabor na culinária literária mundial. Os sul-americanos, mais explicitamente Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa devoraram Faulkner, e serviram a nós brasileiros, duas décadas atrás. No mundo das letras, não sei de ninguém que nasceu nos anos 60 que não tenha lido Cem anos de solidão. Tá certo que não conheço muita gente… Raduan Nassar e Rubem Fonseca também são autores que todos nós lemos. Em quantos livros não enxergamos Um copo de cólera ou Feliz ano novo? Uma parte importante da nossa produção literária atual não é uma mistura dos dois?

Conversando com o poeta bósnio Senadin Musabegovic, ele me disse que não gostava de Isaac Bashevis Singer, porque este escrevia como americano, apesar de escrever em iídiche. Não conheço a literatura hebraica, mas conheço um pouco de Singer. É um baita escritor, seus contos estão na minha antologia pessoal. Digamos que Musabegovic tenha razão, o que não tenho capacidade para julgar, os textos de Singer seriam menores pela influência americana? Ou maiores, por ter misturado duas culturas e devolvido ao papel coisas tão boas? E o que é escrever como americano? Não é ter se apropriado de Dostoiévski, Flaubert, Stendhal, Kafka, Joyce, Thomas Mann e tantos outros não americanos? A tradição literária de um país não faz sentido apenas para a academia? E academia não tem sido apenas o bastião de si mesma e do passado?

Por que é relevante o fato de eu ter lido esses três livros recentemente? Porque não me imagino diferente de ninguém; sou mesmo um sujeito bem comum, a bem da verdade. São livros que muitos estão lendo, assim como liam Saramago há 10 anos, os sul-americanos há 25, os europeus capitaneados por Sartre e Camus há 40. Na Bahia, onde estivemos nas férias, a mulher lê alto para o marido trechos de Sábado, de McEwan, no café da manhã. Dou uma de enxerido e enxergo um Philip Roth pousado na mesa ao lado. O casal que nos acompanha na viagem traz um Martin Amis. Perguntam-me o que acho de Paul Auster, se já li aquele tal de Don Delillo, se Thomas Pynchon existe e se é mesmo genial. Vamos a um restaurante de dois argentinos e, ao lado do caixa, Jonathan Safran Foer, no original. Não são clássicos, são escritores contemporâneos, que dialogam com o presente. E são muitos, não apenas um, ou uma corrente determinada.

E por que os estamos lendo? Uma imposição da indústria, sem dúvida. Estamos definitivamente na era do capital. São livros que aparecem em destaque nas livrarias e na imprensa, editoras que aproveitam o dólar baixo para ir às compras lá fora. Autores já testados em seu mercado de origem, um investimento que se mostrou seguro, na crescente pressão de resultados que as empresas têm enfrentado. Autores oriundos de sociedades em que a literatura faz parte do cotidiano, até de seu imaginário mítico. Eles lêem, produzem, consomem muito mais que nós, que jogamos bola bem melhor — será essa a divisão internacional do trabalho: nós jogamos bola e eles escrevem?

Realidades que dialogam com a nossa, histórias que parecem vir ao encontro das nossas necessidades atuais. Esses autores de língua inglesa são as influências que começarão a ser sentidas em nossas letras. Já são. Me parecem estar em Bernardo Carvalho, por exemplo. Tive essa sensação ao ler Nove noites, de que gostei. Posso estar errado, claro, em relação à influência em Carvalho. E isso é ruim? Não, pelo contrário. Lemos a produção desses autores porque é consistente. O trabalho deles é bom, uns melhores que outros, diga-se. Outro dado não menos importante é o fato de o leitor ir se acostumando, moldando sua estética literária a partir desses livros e autores. Mas isso não aconteceu com nossos pais e avós que leram Eça de Queiroz e se desinteressaram por tudo o que veio depois, na mesma medida em que a gente se desinteressou por Queiroz? Não é assim mesmo, um processo dinâmico?

As influências externas são um adubo de primeira para as letras que estamos a plantar. O único problema é o perigo de, daqui a dez anos, estarmos colhendo uma monocultura, coisa em que eu não acredito. A diversidade de nossas realidades cotidianas não permite. E nossas influências internas, de nosso próprio ser, são muito poderosas.

Sobre os três livros citados no começo do artigo? Bem, a tradução de Sérgio Flaksman, para As correções, é primorosa. Desonra é desses livros que resistirão na estante e serão lidos pelos nossos netos, arrisco a dizer que será um clássico. Reparação… Bem, Reparação é um livro todo calculado, bem escrito, redondinho, um quadro desses pintados à perfeição. À perfeição, talvez aí a chave para o “mas” que encerraria a frase anterior. Bem, a crítica, fica para uma próxima.

Carlos Eduardo de Magalhaes

Nasceu em São Paulo (SP), em 1967. É autor de nove livros, dentre os quais Mera fotografia (1998), Os jacarés (2001), O primeiro inimigo (2005), Dora (2005) e Trova (2013). É editor da Grua Livros.

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