Sobraram apenas os óculos e o bigode

"Toda poesia" de Paulo Leminski revela uma obra datada, vazia e repetitiva
Paulo Leminski por Ramon Muniz
01/04/2013

Antes de falarmos detidamente sobre a obra poética de Paulo Leminski, convém situar o autor no campo das movimentações ideológicas que atingiram sua formação de artista.

A literatura do século 20 desenvolveu-se sob o imperativo da inovação. Postos diante de valores tradicionais que se estabeleceram por longos séculos (os quais começaram a ser enfrentados no século 19), os autores do século 20 sentiram grande necessidade de escapar do que se havia consagrado e de reinventar a literatura como interpretação do mundo. Para que isso ocorresse, constatou-se a necessidade de fazer com que, primeiramente, a literatura interpretasse a si mesma, para em seguida reivindicar, já agora renascida, espaço para falar do novo estado de coisas que cercava o homem contemporâneo de então.

Em total sintonia com a ebulição das novas necessidades, os movimentos de vanguarda foram o estouro da boiada responsável pela sistematização dos passos a serem dados a partir daquele momento. Para eles, nada deveria ser como antes, e a nova literatura tinha como atribuição estrutural reordenar suas verdades, tornando possíveis fatos e formas impensáveis para a tradição. A beleza deveria conhecer e misturar-se à feiúra, e com ela substituir o par dos antagônicos pelo dos amalgamados. Sem isso, a arte estaria condenada ao divórcio da marcha da humanidade.

O Brasil não esteve alheio ao processo. Bem ao contrário: a vetusta assimilação das tendências estéticas da Europa ganhou novo matiz, e então a cultura reconhecida como própria do Brasil obteve lugar privilegiado no palco das “belas artes”. Por aqui, além das inovações formais, Modernismo e Concretismo impuseram-se a missão de produzir uma literatura nacional de fato, não necessariamente refratária à conexão com o exterior (o que se reconhececomo ingenuidade ou estreiteza reacionária), mas que gerasse uma intervenção de dentro para fora, inserindo o país de modo decisivo no rol das nações artisticamente emancipadas.

Além disso, era preciso que a literatura se efetivasse como algo a mais do que o impulso criativo. Antes de tudo, era necessário que ela se caracterizasse como ruminação acerca de si mesma. Já anunciamos no início que o objeto central desta resenha é a poesia de Paulo Leminski, mas convém citar o ensaio Tese, tesões, de autoria dele, incluído no volume Ensaios e anseios crípticos, recentemente publicado (no qual os grifos são do autor):

Com o Modernismo de 22, o poeta brasileiro largou de ser aquele “bom selvagem”, doce bárbaro, indígena silvícola, nativo do país da Linguagem, a ser estudado, pensado e falado por esses etnólogos vindos das poderosas regiões da Teoria, caras-pálidas que, hoje, chamamos “críticos”.

No século passado [o 19], o poeta brasileiro poetava, o crítico criticava e teorizava.

Nenhum poeta significativo do século 19 acumulava, com o uso da lira, o exercício da reflexão teórica sobre o fazer poético. Vigorava a mais rigorosa divisão do trabalho: poesia quem faz é Castro Alves, Sousândrade, Bilac, Augusto dos Anjos, Cruz e Sousa. Pensar, isso é com os Sílvio Romero, os José Veríssimo, os Araripe Jr.

O Modernismo, e isso mudou. Lógico. Toda tentativa de mudança exige reflexão. É preciso repensar a rota. Pesar e medir o passado. Formular planos. Até 22, os poetas brasileiros seguiam, sonâmbulos, os automatismos da tradição herdada, das escolas, dos modismos.

(…)

Desde então, poetar, para nós, virou um ato problemático. Algo a ser pensado, desautomatizado, algo a ser inventado, desde a base. Incógnita, enigma, não é mais uma certeza. Não se sabe mais onde a poesia está. Nem aonde vai.

A poesia era uma resposta, 22 a devolveu a seu estado original de pergunta: que é poesia? Em que consiste esse anômalo ato de palavra, regido por tantas lógicas musicais, lógicas não lógicas, essa área do discurso onde toda a loucura e desvario se permite? Onde o sentido?

A partir desse raciocínio, foi instituído, tanto aqui como lá, um novo critério para a eleição dos escritores representativos: os autores de obra metadiscursiva e dedicada ao desmonte da literatura canônica. A nova cultura literária ignora os que a ela não se associam, por entender que estes, os não filiados, formam um grupo conceitualmente defasado, e, por conseqüência, antigo, e, ainda mais, oponente. De acordo com essa ideologia, os autores dignos de consideração e permanência são os diretamente vanguardistas ou os que se mostram francos herdeiros dos transgressores, os que deixam estampada em suas obras a nítida contribuição da rebeldia estatutária. Nem só Narciso rejeita o que não é espelho.

O curitibano Paulo Leminski (1944-1989) é tido como um dos mais importantes (ou o mais importante) poetas de sua geração (ele começou a publicar seus volumes na década de 1970). Trata-se do típico caso de escritor que extrapola as raias do livro para se fazer presente de maneira bastante viva, e algo mítica, na mente dos que celebram sua obra, como se fosse um pop star literário — fato para o qual contribuiu sua participação, como compositor, na música popular. Uma prova da força de seu nome se verifica agora, quando, sem qualquer efeméride, ele retorna à cena de maneira substantiva, com a publicação de Toda poesia, que reúne todos os volumes do gênero por ele publicados (Quarenta clics em Curitiba, Caprichos & relaxos e Distraídos venceremos, já sendo os dois últimos reuniões de opúsculos lançados de modo esparso) ou editados postumamente (La vie en close, O ex-estranho e Winterverno), organizados por Alice Ruiz , viúva do autor, que faz uma apresentação afetuosa do novo livro). Além da reunião, o lançamento recupera, com Poemas esparsos, textos que se haviam perdido com o passar do tempo e com a passagem de algumas publicações independentes para edições comerciais.

Pela primeira se faz possível tomar a poesia leminskiana por inteiro, e o panorama privilegiado permite verificar uma obra bastante irregular, dentro da qual os tão alardeados (e de fato brilhantes) lances de criatividade que dão pujança ao nome do autor são esporádicos, ao passo que os repetitivos experimentos de teor vanguardista — cuja maioria não tem efeito literário — são dominantes, hegemonicamente datados.

Mas ele é um declarado filho-irmão dos transgressores grupais (Toda poesia traz um apêndice com textos laudatórios de Caetano Veloso e Haroldo de Campos, dentre outros autores), e isso explica em boa parte o lugar privilegiado que se lhe reserva na cena literária brasileira do século 20. O fascínio que Leminski desperta advém mais da “anti-caretice” com que ele impregnou todas as ramificações de sua coesa imagem, dado ser bastante comum que se lhe dirijam aplausos da parte de quem nunca lhe leu sequer um livro por inteiro. Não se trata de desqualificar o nome do poeta, mas sim de identificar o que em sua aura é sinal do tempo: para o público que aqui aludimos (que possui visão defasada de sua obra), o rótulo, a estampa de grito na camisa desbotada é o que vale mais, como também vale mais, no trabalho do — por assim dizer — “poeta inovador”, a eventual inovação do que a poesia em si. Voltando ao ensaio Tese, tesões, encontramos palavras ilustrativas do próprio autor: 

Quando comecei a mostrar minha lírica em meados dos anos 1960, senti, braba, a necessidade de reflexão. Atrás de mim, tinha todo o exemplo da modernidade, de Mário aos concretos, tradição de poetas re-flexivos, re-poetas, digamos. De alguma forma, senti que não havia mais lugar para o bardo ingênuo e “puro”: o bardo “puro” seria apenas a vítima passiva, o inocente útil de algum automatismo, desses que Pavlov explica… o mero continuador de uma rotina lítero-hipnótica.

A maldição de pensar fez suas vítimas: em minha geração, vi muitos poetas se transformarem em críticos, teóricos, professores de literatura.

Sempre os invejei, confesso, a esses trânsfugas. Eles lá no bem-bom da análise, enquanto a gente aqui nas agruras das sínteses…

Aqui dentro, duas obsessões me perseguem (que eu saiba): a fixação doentia na idéia de inovação e a (não menos doentia) angústia quanto à comunicação, como se percebe logo, duas tendências irreconciliáveis.

Como se nota, Leminski não concebe o consórcio entre a poesia de profundidade reflexiva e de inovação formal e algum possível teor de clareza que garanta acessibilidade ao leitor. Nisso ignora, para citar um nome central nesse debate, a obra densa e legível de João Cabral de Melo Neto, cujos epígonos, por estreiteza de visão e pura falta de talento, reivindicam um fechamento da poesia que nada tem de novo, tampouco de artístico. Num texto introdutório a Distraídos venceremos, de 1987, Leminski informa ter atingido a abolição da referência, através da rarefação. Isso o credenciou entre os que ele chama de “re-poetas”, mas não fez dele um grande autor, conforme tentaremos demonstrar.

Paulo Leminski por Ramon Muniz

Poeta e personagem
Paulo Leminski é um poeta efusivamente reverenciado pelos que freqüentam sua obra. Isso se explica porque ao bardo curitibano não interessou somente a poesia entendida como escrita de textos em versos, ou em prosa, com o emprego de linguagem figurada e estruturalmente anticanônica. Leminski pretendeu ser, ele próprio, uma extensão de sua poética. Ou mais: fez do ato criativo um movimento de reciprocidade, construindo sua obra como um prolongamento do que ele carregava por dentro, e sendo por ela construído, na medida em que o gradativo aumento da obra correspondia ao avivamento do autor como personagem. Um só podia ser se possuindo a cara do outro.

Claro está que a escrita lírica carrega alto teor de pessoalidade, sendo isto o que a define em bases elementais. Entre os poetas modernos, inclusive, a pessoalidade é ressignificada de tal maneira que se torna assunto primordial da escrita artística — não como confissão sentimentalista de tipo romântico, e sim como formulação de máscaras que se confundem com a própria assinatura dos autores: Drummond deflagrou-se como gauche; Augusto dos Anjos teve a exatidão de uma espada ao intitular-se “O poeta do hediondo”; João Cabral de Melo Neto arquitetou-se como um antilírico engenheiro; e Ferreira Gullar foi quem nos traduziu o relato de sua vertiginosa partição. Diante disso, quando apontamos a comunhão entre a letra e a imagem de Paulo Leminski pensamos na forma como ele tentou se colocar como um poema ambulante, como um transfigurado atrás dos óculos e dos enxurrados bigodes. Tanto é que de uma das páginas de Caprichos & relaxos consta uma foto sua, vestido à maneira tradicional japonesa (evocando a imagem de um samurai), sob a qual se lê a inscrição: “KAMI QUASE”.

E assim foi que Paulo Leminski inseriu sua figura excêntrica entre os que defendiam a renovação da poesia brasileira do século 20: lê-lo é tomar imediato contato com pontos de convergência que aproximam Oswald de Andrade, a poesia concreta, o Tropicalismo e a poesia marginal dos anos 1970: “dia/ dai-me/ a sabedoria de caetano/ nunca ler jornais/ a loucura de Glauber/ ter sempre uma cabeça cortada a mais/ a fúria de décio/ nunca fazer versinhos normais”.

Além de perceber a linhagem com a qual Leminski se familiariza, lê-lo também é tomar contato com sua patente singularidade, identificável já a partir da disposição dançante dos versos, e vislumbrar o espaço onde a poesia tira a roupa e decide ameninar-se — 

a uma carta pluma
só se responde
com alguma resposta nenhuma
algo assim como se a onda
não acabasse em espuma
assim algo como se amar
fosse mais do que bruma

uma coisa assim complexa
como se um dia de chuva
fosse uma sombrinha aberta
como se, ai, como se,
de quantos como se
se faz essa história
que se chama eu e você

A atmosfera lúdica que se faz reinante em Leminski deriva de um questionamento dirigido a concepções emparedadas acerca da literatura e da vida. Como a obra do autor de Catatau foi desenvolvida quase totalmente durante o período da ditadura militar brasileira, ela se alimentou dos discursos contrários ao moralismo que, transformado em norma, cerceia individualidades (mas me parece exagerado considerá-la “política” no sentido profundo, não necessariamente panfletário, do termo). Por isso o poeta invoca e desenha uma constelação de símbolos alternativa, seja para liberar-se da máquina do mundo maquinado —

lembrem de mim
como de um
que ouvia a chuva
como quem assiste missa
como quem hesita, mestiça,
entre a pressa e a preguiça

—, seja para liberar a própria poesia de qualquer apreensão funcional, naquele que é talvez o seu poema mais bem realizado: Razão de ser

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
e as estrelas lá no céu
lembram letras no papel,
quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

Afastada das grades do utilitarismo, a poesia efetiva-se como profundo alerta contra o extremo pragmatismo da vida enquadrada pela técnica, e, assim, revela aos homens uma de suas mais encantadoras vocações. Leminski também pautou o assunto na anteriormente referida coleção de ensaios, no texto Inutensílio:

A burguesia criou um universo onde todo gesto tem que ser útil. Tudo tem que ter um para quê, desde que os mercadores, com a Revolução Mercantil, Francesa e Industrial, substituíram no poder aquela nobreza cultivadora de inúteis heráldicas, pompas não rentáveis e ostentosas cerimônias intransitivas. Parecia coisa de índio. Ou de negro. O pragmatismo de empresários, vendedores e compradores, mete preço em cima de tudo. Porque tudo tem que dar lucro. Há trezentos anos, pelo menos, a ditadura da utilidade é unha e carne com o lucrocentrismo de toda essa nossa civilização. E o princípio da utilidade corrompe todos os setores da vida, nos fazendo crer que a própria vida tem que dar lucro. Vida é o dom dos deuses, para ser saboreada intensamente até que a Bomba de Nêutrons ou o vazamento da usina nuclear nos separe deste pedaço de carne pulsante, único bem de que temos certeza.

Mais à frente, ele complementa: “Quem quer que a poesia sirva para alguma cosia não ama a poesia. Ama outra coisa. Afinal, a arte só tem alcance prático em suas manifestações inferiores, na diluição da informação original”. Nisso a poesia de Leminski alcança um patamar de profundidade, pois conjuga a dicção renovada ao pensar em questões que não dizem respeito apenas aos vates.

Prática repetitiva
Paulo Leminski foi um recreador das palavras. Vendo como insossa e sisuda a tradição que o precedeu, quis da primeira à última hora alimentar sua escrita do que a distinguisse dos poetas seus antepassados, os quais, no entender dele, eram mais de pose do que de poesia. Por isso, abastecendo-se das sugestões concretistas, desenvolveu sua poética tendo como um dos pilares fundamentais o jogo morfológico-sonoro-semântico que coloca os vocábulos em ciranda (algo aliás bastante caro à escrita de incontáveis colegas seus de geração). Só que a prática repetitiva, contentada em fazer malabarismo, torna o resultado vazio de sentido, caso de (aus): “simples/ como um sim/ é simples/ mente/ a coisa/ mais simples/ que ex/ iste/ assim/ ples/ mente/ de mim/ me dispo/ des/ (aus)/ ente”.

Ainda em oposição ao pretérito que julgava imperfeito, o autor de Winterverno desenhou sua escrita poética como exercício em tom menor, grafado em letra minúscula, afastado das auras solenes típicas dos que se crêem extraordinários, mesmo quando o próprio autor figurava como assunto dos poemas:

o pauloleminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau a pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filhadaputa
de fazer chover
em nosso piquenique

Como se nota, o texto não atinge o efeito humorístico pretendido. Não se trata de um caso isolado: por toda a extensão de Toda poesia nos deparamos com exemplos de humor mal-sucedido. O chiste é recurso dos mais prezados entre os que se pretendem antípodas da convenção. Uma vez que o tradicional, na esteira do que constatou/formulou o filósofo Aristóteles, vê na literatura um organismo superior para tratar das coisas superiores, o tom sério é o que deve reger o espírito do texto.

Na medida em que se pretende revogar antigas diretrizes, a informalidade e o riso são convocados como elementos indispensáveis para a configuração da nova (des)ordem estética, a exemplo do que se lê em merda e ouro — “Merda é veneno./ No entanto, não há nada/ que seja mais bonito/ que uma bela cagada./ Cagam ricos, cagam padres,/ cagam reis e cagam fadas./ Não há merda que se compare/ à bosta da pessoa amada” — e em quase todos os haicais do autor, em especial os que se agrupam em Kawásu, uma das partes constitutivas de La vie en close. O nome da seção evidencia uma das paixões de Leminski — significa “sapo”, e simboliza a secular poesia do japonês Bashô, que ele assimilou mergulhadamente. Mas ao inserir na forma oriental a dicção “oba-oba”, o resultado é uma sucessão absoluta de textos banais e desprovidos de qualquer graça, por menor que seja. Cito aqui cinco poemas: “— que tudo se foda, disse ela,/ e se fodeu toda”; “de colchão em colchão/ chego à conclusão/ meu lar é no chão”; “celeumas luas/ onde se lê uma/ leiam-se duas”; “cinco bares, dez conhaques/ atravesso são paulo/ dormindo dentro de um táxi”; “essa estrada vai longe/ mas se for/ vai fazer muita falta”.

Os “poetas de reflexão” (emprego o termo aqui de acordo com o raciocínio de Leminski), sempre empenhados em passar em revista a literatura brasileira clássica, especialmente para lhe apontar as fraquezas, esquecem-se de revisarem a si próprios, sobretudo para considerarem a hipótese de serem eles também dotados de tibiezas. Ao fundo, parecem acreditar que a etiquetação faz a modernidade do artista. Ledo engano. Se considerarmos também como sinônimo de modernidade o dizer substantivo em meio à profusão da palavra vazia, veremos, a partir de incontáveis poemas, que Leminski caminhou para um outro tipo de convenção — a convenção de aparência anticonvencional. Tal é perceptível em todos os seus livros: em Quarenta clics em Curitiba

O tempo fica
cada vez
mais lento
e eu
lendo
lendo
lendo
vou acabar
virando lenda

—, em Caprichos & relaxos

quatro dias sem te ver
e não mudaste nada

falta açúcar na limonada

me perdi da minha namorada

nadei nadei e não dei em nada

sempre o mesmo poeta de bosta
perdendo tempo com a humanidade 

—, em Distraídos venceremos

sorte no jogo
azar no amor
de que me serve
sorte no amor
se o amor é um jogo
e o jogo não é meu forte,
meu amor? 

—, sendo verificável também nos volumes póstumos, como La vie en close— “entendo/ mas não entendo/ o que estou entendendo”; O ex-estranho—“ler se lê nos dedos/ não nos olhos/ que olhos são mais dados/ a segredos”; e Winterverno— “entre pedra e pedra/ não vai ficar/ pedra sobre pedra”.

Fecham Toda poesia alguns textos “convidados”, dentre os quais se destacam, pela extensão, os de José Miguel Wisnik e o de Leyla Perrone-Moisés. Ambos apontam Paulo Leminski como um poeta descolado e deslocado por ser tresloucado e por se situar no distinto ponto em que tendências díspares se cruzam, como é o caso das referências da antiga literatura nipônica e as da cultura hippie. Acerca disso, a estudiosa formula uma expressão interessante para definir o poeta: “samurai malandro”. Sem negligenciar o que é do campo opinativo, tais intervenções atestam a necessidade de uma atenta revisão da poesia brasileira do século 20 e do que dela permanece ainda hoje. Isso se confunde com a própria revisão de valores de que necessita o país. Do contrário, nada poderemos esperar da literatura que não um cínico silêncio ou mesmo um engrossar do coro de puro vazio que se dissemina como praga em todos os lugares e instituições.

LEIA o texto Distraídos nos perderemos, de Guilherme Magalhães, que traça o mapa literário de Leminski em Curitiba.

Toda poesia
Paulo Leminski
Companhia das Letras
424 págs.
Paulo Leminski
Nasceu em Curitiba(PR), em 1944. Foi poeta, romancista, tradutor, ensaísta e biógrafo. Publicou, entre outros, o romance Catatau, a biografia Bashô e o livro de poemas Distraídos venceremos. Morreu em 1989, também em Curitiba.
Marcos Pasche

É crítico literário.

Rascunho