Nossa, como sou ignorante! A coleção das coisas que não sei cresce vertiginosamente (que lugar-comum estupendo!). Intuo a imensidão do que nem faço ideia pelo crescente das coisas que ultimamente fiquei sabendo um pouquinho. Das coisas que manjo mesmo, nem vou dizer, é um troço pequeno demais, um quase nada que meu resto de orgulho não suporta. Esse livro, dessa resenha, aumentou as coisas que não sabia (e a sensação de infinito do que não sei).
Billy Wilder é considerado um gênio na cultura norte-americana, mundial. Ganhou sete Óscares com seus filmes, um nome lendário de Hollywood. Para você isso deve ser óbvio, o Google também sabe disso. Ainda não assisti a nenhum de seus filmes, não o reconheceria na rua, nem ao lado da Taylor Swift, tomando sorvete no Ao Valentim, aqui de Atibaia. Nossa, como sou ignorante, não reconheceria a Taylor Swift! — ao menos sei onde tomar um bom sorvete.
Por exemplo: eu achava que jornalismo participativo, subjetivo, era coisa de Tom Wolfe em diante, coisa de Hunter Thompson, do Arthur Veríssimo ou dos ensaios de David Foster Wallace. Mas teve algo assim antes dessa trupe toda, na Europa pré-Segunda Guerra. Billy Wilder entre essa galera que fazia o chamado ensaio cultural ou feuilleton. Me formei em Jornalismo em 1995 e nunca soube disso. Provavelmente alguém disse e eu não prestei atenção.
Um repórter em tempos loucos é um compilado desses textos de Billy Wilder, quando trabalhava como jornalista e ainda assinava como Billie suas matérias em jornais austríacos e alemães. Matérias diferentonas. Esse tal feuilleton, que vai além do mero relato, da mesmice do “Fulano disse isso, Sicrano disse aquilo”. Uma forma interessante, uma construção mais literária de acontecimentos, de vivências, de cenários. Tem textos que são perfis e outros que são crônicas. Engraçado isso, porque a gente, com o rei na barriga, costuma repetir que a crônica é muito brasileira, como se não existisse nada parecido em outras culturas. Wilder não é um Rubem Braga, mas suas crônicas são bem interessantes.
A leitura desses textos nos transporta. Coisa bem escrita não envelhece. Logo no começo dos textos dele, depois da apresentação de Noah Isenberg, o organizador do livro para edição em inglês, a gente se encontra na Berlim de 1927, pouco mais de dez anos antes do início da Segunda Guerra. Em primeira pessoa, relata suas aventuras num emprego como dançarino de aluguel. Um trecho:
“Aproveitaram a refeição? Ao trabalho, cavalheiros.” Lá embaixo, tudo já está a pleno vapor. Gente de bem.
Champanhe.
“Vá ali, à mesa 103. Está vendo, uma senhora, um senhor e duas jovens. Tente atacar.”
“Atacar” significa — Billie me contou — se engajar com as damas, tirá-las para dançar. Assoo o nariz e vou lá quando o primeiro foxtrote começa. Com a permissão do cavalheiro…
Ah, o papai da mesa 103 não tem absolutamente nada contra eu dançar com suas filhas. Alterno entre elas.
É um relato feito com liberdade para transmitir uma situação, uma vivência, um cenário. Não tem “lead objetivo”, não é chato. O que importa: é um texto que me acrescenta uma vivência, o conhecimento de um certo estar no mundo. Encontrar isso entre as páginas dos jornais devia ser sensacional. Atualmente, a gente paga R$ 6,00 ou mais num jornal magrinho e sem muitos atrativos. Sempre tem o que valha a pena, mas menos do que já foi, nos anos 1980 e 1990; certamente menos do que jornalistas de hoje são capazes de fazer, se puderem, se tiverem espaço e o tempo humano para produzirem matérias humanas. Não é saudosismo, é apenas fato, um fato chato.
Um conhecido recentemente se matou com um tiro. Ele era vendedor de livros itinerante.
Esse é o começo de Levando livros aos leitores. Fácil perceber o quanto é diferente de uma reportagem tradicional, que começaria com algo como “Fulano de Tal, de idade xis, vendedor de livros itinerante, matou-se com um tiro”. Na verdade, dificilmente essa notícia seria dada, pela questão já bem conhecida de a imprensa evitar ao máximo noticiar suicídios (para não os incentivar). Essa matéria interessa especialmente aos amantes dos livros porque mostra uma cena desse ambiente, informações de livros mais vendidos no final dos anos 1920, na Alemanha, as preferências dos consumidores. A livraria ia bem como negócio, ele conta. Que bom!
“Na Alemanha, eles fazem livros muito mais refinados do que, digamos, camisas.” E Wilder conta quais são os best-sellers: As memórias de Trótski, Fouché, de Stefan Zweig, e Alexanderplatz, de Alfred Döblin.
A linguagem de Wilder, caso tenha viajado bem do alemão ao inglês, depois ao português, é coloquial, rápida, mas também econômica e com bastante informação, o que atende ao ambiente do meio: os jornais. Quanto será que essa vivência contribuiu na criação de seus roteiros de ficção?