Mais do que um jogo de palavras ou um trocadilho gramatical, Estar sendo. Ter sido é o livro que representa a síntese das obras publicadas pela escritora Hilda Hilst (1930-2004). Tão ou mais importante que isso, cabe ressaltar também que se trata do último livro em prosa assinada pela autora que vivia encerrada em sua Casa do Sol, em Campinas, desde 1965, quando passou a se dedicar integralmente à literatura.
No que se refere a Estar sendo. Ter sido, vale a pena ressaltar que é um livro dividido em duas partes não necessariamente iguais. Na primeira, os leitores travam contato com Vittorio, um velho indolente que tem como único objetivo aguardar pela chegada da morte. Obviamente, e daí o fato de ser indolente, ele não faz isso sem antes importunar seus interlocutores, às vezes com ironia, às vezes com tamanha virulência que chega a incomodar os espíritos mais libertinos.
A maneira como o protagonista se mostra, no entanto, é o que mais chama a atenção, uma vez que desenvolve sua fala num ritmo veloz e frenético, como se não houvesse amanhã. O leitor, com isso, deverá fazer uma observação criteriosa, já que o texto de todas as personagens está articulado em conjunto, tornando-se um só. Em determinados trechos, esse formato fica cheio de códigos, principalmente quando surgem as referências literárias. A James Joyce, por exemplo.
Na segunda parte do livro, a referência a autores cede espaço às personagens da própria Hilda Hilst, numa articulação da obra da escritora, como se outros livros estivessem sendo revisitados. O “estar sendo”, desse modo, dialoga com o “ter sido”, com aquilo que já passou, mas ainda não foi totalmente deixado para trás. Nesse sentido, Estar sendo. Ter sido é uma espécie de texto memorialístico do conjunto literário de Hilda Hilst, sobretudo no período da década de 90 em diante, quando a autora reapareceu com destaque no cenário da literatura nacional com A obscena Senhora D., que, não por acaso, também é lembrado em Estar sendo. Ter sido.
Em que pesem todas essas características, o livro alcança seu objetivo de tal maneira que se transforma numa “piada interna”, a ponto de só ser compreendido, e por extensão apreciado, se o leitor tiver conhecimento das obras de Hilda Hilst. Pensando bem, pode servir de ótimo estímulo.