Simplório e quase nada

Resenha do livro "Meus dias de escritor", de Tobias Wolff
Tobias Wolff, autor de “Meus dias de escritor”
01/12/2007

A arte de modo geral suscita aspirações, interpretações e, sobretudo, inspira curiosidades. A alguns incautos também pode representar elevação de status. Em relação à literatura, o ofício de escrever virou moda e atualmente é muito comum o habitante das grandes cidades com ao menos um livro publicado, no mais das vezes às suas expensas e legitimado pela vaidade. A horda vaidosa esquece que a arte da escrita exige sofrimento; não é sorrindo que se escreve um livro.

Então, surge Meus dias de escritor, de Tobias Wolff, finalista do National Book Award. Na contracapa, informa-se que se trata de um livro em que o ofício do escritor está em primeiro plano.

Numa escola americana de forte tradição literária acontece um concurso de contos que premiará o vencedor com uma entrevista com um grande escritor e a publicação do conto no jornal da escola, No final desse período, o escritor visitante será Ernest Hemingway, ídolo da maioria dos meninos.

Diante disso, o crédulo leitor alimentará expectativas de encontrar um embate de técnicas literárias ao longo de Meus dias de escritor. No entanto, quem mostrará suas garras sem a menor cerimônia serão a frustração, o cheiro de propaganda enganosa, e o que se anunciava um romance sobre a arte, sobre a criatividade, não passará de um romance de formação, ou melhor, um romance de costumes. De maus costumes, é importante que se diga.

A história narrada pouco tem a ver com a história anunciada. O que se vê são práticas de ética duvidosas no afã de lograr seu intento, perpetradas e legitimadas pela competição e, acima de tudo, em nome da vitória. Não esqueçam que a história é escrita por um americano, se passa numa tradicional escola americana, justamente na terra que se deleita com uma guerra, vive em guerra, de preferência bem longe do país deles. Meus dias de escritor não tem nada a ver com o ofício de escrever e sim com o malfadado hábito da burla, do sucesso a qualquer preço, do assassinato da ética e da fragilidade das amizades. Nada mais.

Não me diga que você pensou que apareceriam os contos concorrentes, não me diga? Que o leitor poderia confrontá-los e retirar algum proveito caso também tivesse aspirações a escritor? Não me diga que você esperava isso, ingênuo leitor!

Meus dias de escritor é um livro simplório, maniqueísta, piegas, americanóide no que isso possa significar de mais pejorativo, um desperdício de dinheiro e, acima de tudo, um crime ecológico. Ernest Hemingway, personagem verídico, é desperdiçado sem a menor cerimônia, apesar de sua complexa personalidade e ambigüidade literária. Tudo bem que a biografia de Hemingway supera a obra repleta de altos e baixos com forte predominância do planalto. Mas é Hemingway e emprestaria fôlego de sobra a esta asmática narrativa.

Meus dias de escritor tem um mérito inquestionável: o de tornar aparente a nossa submissão, nosso complexo de inferioridade e suspeita dos critérios que decidem os títulos a serem editados. Acompanhe, solidário leitor, o raciocínio deste ingênuo resenhista. Prometo ser bem simples e objetivo. Cartas para este jornal. Quantos livros de autores brasileiros bem superiores a este arrogante Meus dias de escritor não conseguem editora? Até quando o lixo perfumado continuará enebriando nossos editores, livreiros e coleguinhas da imprensa?

Para terminar, Meus dias de escritor não trata de dias na vida de um escritor. Se a idéia era essa, foi desperdiçada, mas se não era bem essa, é caso para o Procon. Você, exigente leitor, deve estar achando que falei pouco do livro propriamente dito. Mas falar o quê de um livro que é quase nada?

Meus dias de escritor
Tobias Wolff
Ediouro
211 págs.
Luiz Horácio

É escritor. Autor de Pássaros grandes não cantam, entre outros.

Rascunho