O que pode ser interessante em um livro lançado em 1937 que conta a história de uma mulher da Sardenha, Itália, que contra tudo e contra todos se torna uma escritora? Tudo, desde que seja um clássico da literatura ou, pelo menos, que seu autor tenha tido um mínimo de preocupação em não contar apenas uma história melosa e tenha se preocupado em narrar as emoções desta mulher. Afinal, o drama humano ganha novas roupagens tecnológicas mas, no fundo no fundo, ele permanece sempre o mesmo.
Neste caso, estamos falando da história de Grazia Deledda (1871-1936), italiana nascida na Sardenha e uma das poucas mulheres na história a vencer o Prêmio Nobel de Literatura (em 1926). Cosima é um livro autobiográfico em que Grazia conta a história de sua infância, adolescência e início da vida em sua terra natal.
Cosima, ou Grazia, nasce em uma típica família sarda (ou pelo menos imaginamos que assim é, devido à sua descrição) do final do século 19. De uma vida dura e sem grandes perspectivas, Cosima descobre possuir a vocação para a literatura, e já aos 14 anos, incentivada por um irmão e com o apoio débil, mas sempre apoio, de um professor de italiano (pois à época a Sardenha tinha como língua corrente o dialeto sardo, não o italiano), resolve escrever um conto para uma revista feminina. O conto é publicado e muito bem recebido fora da cidade natal de Cosima, mas visto com profunda desconfiança em sua terra e até mesmo em sua família.
Das profundezas da Sardenha até ganhar o mundo com seu trabalho, Cosima nos conta como é enfrentar uma sociedade avessa ao novo, ao belo, apegada a tradições que já não se sabe mais para que servem e que, no entanto, continuam vivas e mantidas por uma população que prefere a monotonia e teme a inovação. Mais ainda, uma sociedade em que o trabalho intelectual é menosprezado, visto como um pecado. Cosima/Grazia enfrenta esta sociedade pela sua arte, pois considera a única saída.
O que torna o livro extemporâneo é o talento de Grazia, que consegue fugir aos clichês deste embate tão velho quanto a cultura. Ela relata a confusão que se faz em sua cabeça, os momentos em que duvida de seu talento, a sua reação às reações alheias e os fatos marcantes deste período. Vale lembrar que Cosima foi publicado postumamente, e com certeza haveria muitos outros momentos que ao livro não tiveram tempo de chegar. Mas o que temos em mãos já serve para mostrar que o ser humano continua um velho turrão, apesar de tanto palavrório a cerca da evolução da sociedade.
Cosima é um dos dois primeiros livros da coleção Mulheres e Letras, projeto da Horizonte que tem como objetivo mapear a produção literária feminina ao redor do mundo, desde o início do século 20. Nas palavras da editora Eliane Alves de Oliveira, “esta coleção contribuirá muito para colocar em evidência a literatura do eu lírico feminino, pois existe, mas com pouca evidência”.