Alonso Cueto e Mario Vargas Llosa são os dois maiores escritores peruanos da atualidade. Ao contrário de Llosa, Cueto ainda é pouco conhecido no Brasil, o que é lamentável. Dono de uma prosa eficaz e fluente, detentor de prêmios literários importantíssimos, Alonso chega agora ao nosso país com o romance A hora azul e com a tarefa de encantar os raros bons leitores tupiniquins.
Numa tradução segura de Eliana Aguiar, que possui o mérito de recuperar em português a fluência do romancista peruano, o livro conta a história de Adrián Ormache, um respeitável advogado de meia-idade, que leva a vida no marasmo dos bem-sucedidos: possui uma esposa bonita que cuida de seu lar com a diligência das mulheres criadas para se tornarem donas de casa, pai de duas filhas inteligentes e educadas, passa seus dias entre reuniões de trabalho, aborrecimentos em casa e visitas a familiares.
Até que sua mãe morre e essa estrutura aparentemente sólida construída por Adrián começa a enfraquecer. Seu irmão Rubén chega dos Estados Unidos para o funeral e lhe confidencia que seu pai, um oficial da marinha morto há vários anos, não era o santo que aparentava ser. Durante os anos 80, em conflitos com o grupo revolucionário Sendero Luminoso, o comandante Ormache havia torturado muita gente, entre guerrilheiros e inocentes. Além disso, estuprara e assassinara inúmeras garotas na região de Ayacucho, onde se encontravam as bases do Sendero.
Uma dessas meninas, Miriam, conseguiu escapar de Ormache e Adrián só pensa em encontrá-la. De certo modo, é nesta busca que encontrará sua salvação. Transitando por um mundo até então desconhecido para ele, Adrián escapa do cotidiano e dá uma nova razão à sua vida. De burguês alienado passa pouco a pouco a se preocupar com o destino de pessoas insignificantes, massacradas pela ganância de alguns e por uma visão distorcida da democracia, vendida por pessoas cujo único prazer é fazer os demais sofrerem, desde que isso lhes garanta um lugarzinho nos anais da história.
As atrocidades cometidas tanto pelos revolucionários quanto pelo exército são narradas de um modo intensamente poético, e é dessa maneira que Cueto consegue descrever as torturas mais horrendas, transmitindo ao leitor apenas uma sensação de tristeza irremediável e revolta com a situação humana.
Os trechos em que Alonso retrata o relacionamento entre Adrián e Miriam são dos mais belos que já li. O misto de curiosidade e transgressão permeia as frases reticentes das duas personagens e findamos por tomar partido na história, torcendo para que tudo corra bem com nossos heróis. O que mais se pode desejar de um livro?
A hora azul recebeu, em 2005, o Prêmio Herralde, um dos mais prestigiosos em língua espanhola, o que inseriu, definitivamente, Alonso Cueto na galeria dos mais importantes narradores peruanos destes tempos. Recomendo fortemente a leitura deste romance para todo tipo de leitor: desde aquele que deseja se inteirar mais acerca da história da guerra civil entre o Sendero e o exército peruano até o que deseja somente conhecer uma obra muitíssimo bem escrita, ou, como sugeriu o próprio Alonso, “ler um conto de fadas ao revés”.