Sem final feliz

Fumaça, do galego "Antón Fortes", mostra a visão de um menino anônimo sobre a vida em um campo de extermínio
Joanna Concejo/Reprodução
01/08/2012

Quando o menino entrou no trem, já sabia que não ia para a praia como das outras vezes. Eram muito mais vagões. E as filas — grandes, bem grandes — eram divididas entre a dos homens e a das mulheres e crianças. O menino, sob a supervisão atenta dos soldados, viajou com sua mamãe. E com outras crianças e outras mamães. A viagem foi silenciosa, como quando estavam na fila. Quando chegaram, foram levados a uma casa de número 48, que dividiram com muitas mães e muitas crianças. Também havia uma casa com chaminé. A mamãe dele dizia que os meninos que entravam ali iam direto para o céu. Ele não queria ir para o céu ainda. Mesmo passando frio e fome.

Tudo o que acontece em Fumaça (texto do galego Antón Fortes com ilustrações da polonesa Joanna Concejo) é narrado por um menino anônimo. Um garoto sem nome, como milhares de outros que também tiveram medo, saudade, fome, frio. Como milhares de outros que foram arrancados de suas casas, levados para os trens, jogados em quartos com camas de palha, obrigados a trabalhar e a servir como experimento para os nazistas. Como milhares de outros que viraram fumaça.

Não é literatura de fácil digestão. Não tem final feliz, não tem mensagens edificantes, não tem figuras coloridas com meninos sorridentes, bichinhos que falam. Não tem as nuances de riso ou o americano redentor de A vida é bela (obra cinematográfica italiana que também trata dos campos de concentração sob a ótica de uma criança). É um livro tristíssimo.

Joanna Concejo/Reprodução

Mas é bonito, sim. Edição muitíssimo bem cuidada. Texto objetivo, curto, ágil. Ilustrações de traços duros e cores neutras — embora sem perder a aura poética. Fumaça é a visão de uma criança sobre sua curta vida em um campo de concentração. E, embora não faça nenhuma referência explícita a “campo de extermínio”, “nazismo” e “morte”, trata disso tudo. As ilustrações, quase sem cor, reforçam: chaminés com pessoas “voando” como fumaça, pijamas listrados, cabelos raspados. Por essas referências, os leitores que tiverem algum conhecimento sobre o que aconteceu na Segunda Guerra — os trens, as celas, a vida nos campos de concentração, as câmaras de gás e os crematórios — poderão aproveitar melhor o texto e as imagens dessa obra tão bem cuidada.

Para as crianças menores, Fumaça talvez possa ser uma porta aberta a atiçar a curiosidade: por que os meninos que entram na casa com chaminé vão direto para o céu?

Fumaça
Antón Fortes
Ilustração: Joanna Concejo
Trad.: Marcos Bagno
Positivo
40 págs.
Antón Fortes
Nasceu em Sarria (província de Lugo, na Galícia). É também autor de Caderno de animalista, pelo qual recebeu o 2º Prêmio Livro Infantil e Juvenil mais bem editado de 2009 (Ministério da Cultura Espanhol). JOANNA CONCEJO nasceu em Slupsk (Polônia) e é formada pela Academia de Belas Artes de Poznan (Polônia). Outros livros com suas ilustrações são Il signor Nessuno (2008), Grand et petit (2008) e L’angelo delle scarpe (2009).
Andrea Ribeiro

É jornalista.

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