Convirá dizer sempre que Alexei Bueno é um poeta de seu tempo na acepção mais correta da palavra. Um poeta sem concessões. Autor de uma obra rigorosa em relação à poesia. Como escreveu Marco Lucchesi, a poesia da poesia. Não é fácil caminhar entre as pedras atuais com a desenvoltura correta de Alexei, senhor de si, poeta de si, conhecedor de seu ofício de colher palavras e transformá-las em poemas. Toda sua obra, dez livros, é merecedora de uma atenção especial, porque Alexei Bueno é um poeta especial, desses que mergulham na vida e dela extrai o essencial, que é o poético, a beleza. “Resta, de tudo, a casa exata,/ O abrigo claro, o firme berço,/ A superfície sem reverso/ Onde a hora foge mas não mata” (p. 408). Quase a paisagem que o poeta oferece nesta obra realizada com as ferramentas mais exatas e necessárias. Alexei está em todos os poemas, tal a força das palavras que tecem o poema à sua forma. “Roçam-se em mim, incontadas, as vidas todas — e as vidas de cada vida —/ Como um turbilhão de pássaros que o vento assopra no mar queixoso./ Mas em mim não existe, o eu foi deixado há muito tempo,/ Longe, como um par de sapatos domésticos de viajante,/ Abandonos, por uso excessivo, numa cidade qualquer” (p. 357). É abrir o tempo à existência da poesia, como se fosse ele, o poeta, a figura a cantar destinos, o pano que faz a parede da própria resistência poética. A poesia regressa em si mesma, em tempos mortos, mas renasce sempre com a exclamação do agora. Os versos longos, quase prosa, muitas vezes utilizados por Alexei, como em A decomposição de Johann Sebastian Bach, de 1989, são narrativas poéticas construindo uma poesia feita apenas da beleza, a quem o poeta presta sua reverência. O que se vê neste Poesia reunida de Alexei Bueno é poesia do começo ao fim, sem intervalos. Neste tempo de equívocos, no qual a poesia brasileira se vê tantas vezes aviltada pela facilidade predatória, a poesia de Alexei Bueno, a exemplo de alguns outros nomes raros, representa um bálsamo em tantas feridas. Destaque-se Lucernário, sem prejuízo de outras obras aqui reunidas. Apenas como exemplo do que um poeta consciente de si pode fazer, onde ele pode chegar, o que a palavra é capaz de construir. “Não é minha esta casa, aí entrarei no entanto,/ Quebrarei o portão, marcharei entre as flores,/ Encherei meu pulmão com os estranhos odores/ Do jardim adubado a sêmen, sangue e pranto” (p.237), diz o soneto História, a dar uma idéia de um livro com poema metrificado, que o poeta admira exercer com domínio e conhecimento. Destaque-se Em sonho, no qual a poesia é conseqüência de todos os atos, no rigor do poema construído com zelo. “Deito-me ao lado da estátua marmórea,/ Alva, branca. Lavada de alegria,/ É a Alba, a alvorada, a aurora, o dia/ Que se abre já, desnudo e sem história”. Alexei Bueno é um poeta especial. Faz uma poesia de absoluta consistência. Diz melhor Miguel Sanches Neto: “Rompendo com a horizontalidade das concepções literárias, Alexei Bueno reivindica para a poesia uma modernidade que está além das delimitações históricas. Indiscutivelmente, ele é a maior revelação da poesia dos anos 90 por mexer com uma tradição lírica sedimentada, alegremente sufocada pelos equívocos dos pingentes das vanguardas”. E recorrendo a Antonio Carlos Secchin: “Alexei, grande poeta consciente, é rigorosamente contemporâneo de si mesmo e de todos os tempos que tão profundamente o atraem”. Eis um poeta, simplesmente um poeta, profundamente um poeta. Um poeta a garimpar o poema com a delicadeza de um monge.