Uma trama sem heróis e sem vilões, uma história sobre a capacidade humana de lograr seus intentos, custe o que custar. O juízo moral é mero coadjuvante nessa trama de sedução e pessimismo, um quadro em cores cruas retratando a Paris da Belle Époque e pintado por Guy de Maupassant. É o que se pode chamar de grande literatura naturalista, onde a sensualidade tem papel importantíssimo e percebe-se o indivíduo determinado pelo ambiente.
Texto seco, objetivo, como de resto são as personagens do livro. Os fins justificam os meios e o meio que predomina é o leito. Protagonista, Georges Duroy é o talentoso conquistador, belo, frio e calculista, o Bel-Ami, que sabe fazer uso de suas principais habilidade — a sedução e a ausência de escrúpulos — e as coloca a serviço de seus propósitos de alpinista social. Coadjuvantes, várias mulheres nada inocentes, tão ambiciosas quanto Duroy.
Mas quem é Georges Duroy? Apresenta semelhanças com Lucien de Rubempré, de As ilusões perdidas, de Balzac. Ambos chegados do interior, elegem o jornalismo como meio de ascensão. Mas, antes de continuar com Duroy, um parêntese: tanto na obra de Balzac como na de Maupassant, a imprensa é apresentada de forma um tanto pejorativa, cenário ou instrumento de promoção a qualquer custo. O jogo de interesses está sempre em primeiro plano. Em As ilusões perdidas, um jornalista aconselha o jovem Lucien a escrever três críticas, uma negativa, uma positiva e uma neutra. Qual chegaria às paginas? Os interesses decidiriam. Como diz um trecho do livro, “nós somos negociantes de frases e vivemos de nosso comércio”. Em Bel-Ami, o La Vie Française era, antes de tudo, um jornal financeiramente forte, pois o patrão era um homem de recursos, a quem a imprensa e o cargo de deputado tinham servido como trampolins. Lucien alcança seu objetivo, mas cai; Georges se mantém firme e projeta vôos mais longos. Pessimistas, Balzac e Guy de Maupassant conferem ao jornalismo os vícios de uma sociedade onde o tráfico de influências determina destinos.
Na obra de Maupassant, Georges Duroy, um suboficial, retoma sua vida civil, ganha seu pão trabalhando na estrada de ferro, mas ambiciona mais, muito mais. Certa ocasião encontra um antigo colega de exército que o recomenda ao jornal La Vie Française, onde trabalha. George acaba contratado. Logo conhece a sociedade parisiense, e seu sonho de sucesso ganha cores intensas. Inescrupuloso, envolve-se com mulheres capazes de colaborar com seu plano. Certo dia, sentindo-se ofendido pelo colega que o recomendara ao jornal, não se constrange em urdir um plano para seduzir sua esposa como forma de vingança. Ela, Madame Forrestier, era quem o ajudava a escrever seus artigos. Demora um pouco, mas o sedutor acaba alcançando seu objetivo. Com a morte do marido, Madeleine Forrestier acaba se casando com Duroy. Sua lista de seduzidas é vasta, e inclui até a mulher do diretor do jornal.
E George chegará realmente ao topo, mesmo que para isso precise ludibriar a própria esposa, fato que o torna milionário. Consegue um título de nobreza, torna-se barão, e a carreira política será seu próximo degrau.
Mas o que faz de Bel-Ami uma preciosidade literária? Vários aspectos, dentre eles a fidelidade com que o potencial maléfico do ser humano é apresentado. Não há heróis, não se percebe um traço de inocência ou de boas intenções nos personagens. Fica nítida que a honra era um tema defasado naquela sociedade, em que o importante era tirar proveito de toda e qualquer situação.
A atmosfera de Bel-Ami, enfim, é desalentadora, mas, como diz o velho poeta Norbert de Varenne a Duroy, na página 136: “Ouça, chega um dia e ele chega cedo para muitos, em que não é mais tempo de rir, como costumam dizer, porque atrás de tudo o que olhamos avistamos a morte”.