Satélite sem rumo

Em sua estréia, Paula Parisot segue os passos de Rubem Fonseca, mas não consegue ir muito além do pastiche
Paula Parisot: personagens estereotipados, de pouquíssima densidade psicológica.
01/01/2008

Rubem Fonseca começou a dar uma nova cara à literatura brasileira em 1965 quando publicou seu primeiro livro, A coleira do cão. Logo se seguiu o já clássico Lúcia McCartney, em 1969. Estava consolidada a estética do texto tenso, conciso e preciso. Também ali se rompia a ingenuidade do bandido carioca. Deixava-se para trás o universo românico de Mineirinho e Cara-de-Cavalo, espécies de Robin Hood dos morros, para se chegar à real face de terror do banditismo contemporâneo. E dizia tudo isso com uma linguagem direta, clara e objetiva.

No final dos anos 70, Rubem Fonseca já era unanimidade entre os críticos, mas a explosão de seu reconhecimento se dá mesmo nos anos 80. E aí vem o inevitável, explodem também seus seguidores, a maioria sem o talento e o poder inovador do mestre. São satélites que teimam em pegar carona nessa já vasta constelação. Reza a lenda que Fonseca teria se impacientado com um desses seguidores e o teria mandado estudar filosofia como forma de conhecer melhor o homem e assim, quem sabe, trazer sentido para seu texto.

Folclore literário à parte, a estréia da contista Paula Parisot com A dama da solidão a insere no universo de seguidores de Fonseca. Sua prosa nasce recheada de todos os caminhos abertos por seu guru, a quem dedica o livro. Aqui os relacionamentos são complexos, há marginalidade aos montes, uma visão idealizada do morro e sexo, muito sexo.

As cenas de sexos, a descrição dos atos sexuais se destaca ao longo do texto. Ao que parece Paula elege tal destaque como uma forma de chocar o leitor e dar certo ar de revolução à sua literatura. Tal impressão nasceu do automatismo com que tudo acontece. Tudo é descrito de forma tão banal que perde em erotismo o mesmo que ganha em desinteresse. Um tiro que não chega ao alvo e que somente oferece tédio aos leitores de Sade e Teresa Filósofa.

Outro tema primordial do livro é o conflito das relações amorosas. Daí nascem personagens estereotipados, de muito pouca densidade psicológica, alguns até derivando pela escatologia. Todos mesquinhos, senhores do próprio umbigo. E aí está a semente dos conflitos. Como não há qualquer possibilidade de concessão no universo de Paula Parisot, a ambição individual molda o caráter de seus personagens. E em terra onde cada um olha por si, não há sentido a paz.

A solução para tudo está na morte. E se morre muito nesta reunião de contos. Quando não se morre, há uma intensa violência gerada por ciúme e medo de perda. O mais visível é a mulher que corta o rosto da outra para defender seu casamento. Mas há ainda uma violência movida pelo poder da sedução, promovida por mulheres que se tornam verdadeiros vícios para homens e outras mulheres. Um mundo doente.

E por aí se chega aos morros, à periferia. Aqui prevalece a visão de quem olha do asfalto, sem conhecimento profundo do fenômeno. Mesmo a menina de classe alta que se deixa encantar pelas drogas vive uma marginalização tipo Maria-vai-com-as-outras descrita de maneira pálida. Também há uma recorrência meio cansativa, pois basta ler José Carlos Oliveira de Terror e êxtase para se ver que este estranho encanto pode gerar literatura de fato.

Faltam à autora consistência e ritmo. Ao trilhar o caminho da linguagem despojada, clara e objetiva recheou seu texto com chavões e conclusões óbvias. Ao tentar criar personagens reais gerou homens e mulheres chapados, retos, sem qualquer sentido psicológico. São pessoas que passam por dramas até intensos, sem os compreender. Sequer se dão conta da dimensão de suas próprias vidas.

Isso leva o leitor um pouco mais atento a preconizar o final de cada conto. E isso é lamentável, pois, pelo menos no conto Eu e Bianca, Paula corrige a mão e conduz o leitor por uma relação dolorida, como todas as que descreve, mas narrada de uma maneira que envolve de verdade o leitor.

Da leitura de A dama da solidão fica a certeza de que não basta seguir um mestre, não basta se filiar a uma escola para se fazer literatura de qualidade.

A dama da solidão
Paula Parisot
Companhia das Letras
142 pags.
Paula Parisot
Nasceu no Rio de Janeiro. Bacharel em desenho industrial pela PUCRJ, foi bolsista da New School University, em Nova York, onde cursou mestrado em belas artes. Trabalhou como ilustradora para várias revistas, e atualmente mora no Rio de Janeiro, onde, além de exercer a profissão de designer de moda, escreve ficção.
Maurício Melo Junior

É jornalista e escritor.

Rascunho