Rubem Fonseca começou a dar uma nova cara à literatura brasileira em 1965 quando publicou seu primeiro livro, A coleira do cão. Logo se seguiu o já clássico Lúcia McCartney, em 1969. Estava consolidada a estética do texto tenso, conciso e preciso. Também ali se rompia a ingenuidade do bandido carioca. Deixava-se para trás o universo românico de Mineirinho e Cara-de-Cavalo, espécies de Robin Hood dos morros, para se chegar à real face de terror do banditismo contemporâneo. E dizia tudo isso com uma linguagem direta, clara e objetiva.
No final dos anos 70, Rubem Fonseca já era unanimidade entre os críticos, mas a explosão de seu reconhecimento se dá mesmo nos anos 80. E aí vem o inevitável, explodem também seus seguidores, a maioria sem o talento e o poder inovador do mestre. São satélites que teimam em pegar carona nessa já vasta constelação. Reza a lenda que Fonseca teria se impacientado com um desses seguidores e o teria mandado estudar filosofia como forma de conhecer melhor o homem e assim, quem sabe, trazer sentido para seu texto.
Folclore literário à parte, a estréia da contista Paula Parisot com A dama da solidão a insere no universo de seguidores de Fonseca. Sua prosa nasce recheada de todos os caminhos abertos por seu guru, a quem dedica o livro. Aqui os relacionamentos são complexos, há marginalidade aos montes, uma visão idealizada do morro e sexo, muito sexo.
As cenas de sexos, a descrição dos atos sexuais se destaca ao longo do texto. Ao que parece Paula elege tal destaque como uma forma de chocar o leitor e dar certo ar de revolução à sua literatura. Tal impressão nasceu do automatismo com que tudo acontece. Tudo é descrito de forma tão banal que perde em erotismo o mesmo que ganha em desinteresse. Um tiro que não chega ao alvo e que somente oferece tédio aos leitores de Sade e Teresa Filósofa.
Outro tema primordial do livro é o conflito das relações amorosas. Daí nascem personagens estereotipados, de muito pouca densidade psicológica, alguns até derivando pela escatologia. Todos mesquinhos, senhores do próprio umbigo. E aí está a semente dos conflitos. Como não há qualquer possibilidade de concessão no universo de Paula Parisot, a ambição individual molda o caráter de seus personagens. E em terra onde cada um olha por si, não há sentido a paz.
A solução para tudo está na morte. E se morre muito nesta reunião de contos. Quando não se morre, há uma intensa violência gerada por ciúme e medo de perda. O mais visível é a mulher que corta o rosto da outra para defender seu casamento. Mas há ainda uma violência movida pelo poder da sedução, promovida por mulheres que se tornam verdadeiros vícios para homens e outras mulheres. Um mundo doente.
E por aí se chega aos morros, à periferia. Aqui prevalece a visão de quem olha do asfalto, sem conhecimento profundo do fenômeno. Mesmo a menina de classe alta que se deixa encantar pelas drogas vive uma marginalização tipo Maria-vai-com-as-outras descrita de maneira pálida. Também há uma recorrência meio cansativa, pois basta ler José Carlos Oliveira de Terror e êxtase para se ver que este estranho encanto pode gerar literatura de fato.
Faltam à autora consistência e ritmo. Ao trilhar o caminho da linguagem despojada, clara e objetiva recheou seu texto com chavões e conclusões óbvias. Ao tentar criar personagens reais gerou homens e mulheres chapados, retos, sem qualquer sentido psicológico. São pessoas que passam por dramas até intensos, sem os compreender. Sequer se dão conta da dimensão de suas próprias vidas.
Isso leva o leitor um pouco mais atento a preconizar o final de cada conto. E isso é lamentável, pois, pelo menos no conto Eu e Bianca, Paula corrige a mão e conduz o leitor por uma relação dolorida, como todas as que descreve, mas narrada de uma maneira que envolve de verdade o leitor.
Da leitura de A dama da solidão fica a certeza de que não basta seguir um mestre, não basta se filiar a uma escola para se fazer literatura de qualidade.