“Pode vir, freguês, pode vir, que aqui tem sexo animal e sexo com animal, homossexualismo masculino e feminino, pedofilia, sodomia, traições familiares, todo tipo de perversão, pode vir!” Falando assim até parece que a coletânea de contos de Luiz Vilela, publicada pela Leitura, esteja disponível apenas em lojas tipo “sex-shop”. A graça é que tem isso tudo aí mesmo, só que de forma tão sutil e elegante que pode ser vendido em casas tradicionais de livros, respeitosas e respeitadas livrarias.
Embora sempre se possa criticar o oportunismo comercial-editorial de se valer de um título desses, é bastante louvável a iniciativa da editora mineira (que já havia lançado a coletânea 62/2 Contos eróticos, com autores diversos, Vilela entre eles). Principalmente se considerarmos que a promessa feita pela Record, ao lançar a novela Bóris e Dóris, de “colocar no mercado toda sua obra até o final de 2008”, por enquanto, não está se concretizando. Como não há indicação quanto a serem os contos inéditos ou publicados anteriormente, e nem tenho eu todas as obras do autor, ficaremos devendo, eu e a editora, essa informação ao leitor. Entretanto, posso adiantar que pelo menos um foi publicado antes (Calor, em A cabeça, CosacNaify). E alguns outros dão dicas que também o foram, por se traírem, seja pelo uso de uma ou outra gíria ultrapassada, seja por detalhes (como os carros Corcel, em A moça, Impala, em Ousadia). Ou ainda pelo sistema educacional desatualizado (as crianças de Meus anjos têm dez anos e estão na quarta série — hoje teriam nove anos de idade).
Esses detalhes, entretanto, não comprometem o principal, a saber, trata-se de um saboroso livro de contos, de um craque na matéria. Tornou-se lugar-comum elogiar sua habilidade nos diálogos. Não trairei o coro. Sim, Vilela sabe falar como poucos. “Ouvimos” seus personagens com intimidade impressionante. Particularmente nós, leitores da mesma região do autor (Centro-oeste). Palavras como “uai”, “sô”, além de sutilezas que seriam impossíveis traduzir aqui, nos são tão familiares, que nos sentimos na sala de visitas (ou nos quartos!) dos personagens.
Mas há outras características do autor, recorrentes em seus contos (nesse e em outros de seus livros). Crianças como protagonistas, colégios como cenários, a chuva… E por falar nela, um dos melhores contos desse livro, Primos, é uma espécie de versão de outro, A chuva nos telhados antigos, publicado na coletânea da Nankin Editorial. Carlos Felipe Moisés, em sua apresentação a essa coletânea da Nankin, cita ainda outro, o tema da morte. Eu discordo parcialmente de Moisés, penso tratar-se mais de temas amargos, não especificamente (ou, pelo menos, não sempre) da morte. O que vale também para A cabeça e Bóris e Dóris. Amargo, à vezes doce-amargo, mas sempre fica esse retro-gosto ao final da leitura. (Atenção: isso é um elogio!)
Moisés aponta ainda para outra característica, um tanto tchekhoviana: “Suas histórias terminam em suspensão, em compasso de espera: nada acontece. Mas tudo poderia (e ainda pode) acontecer”. E tem razão. Muitos dos contos de Vilela deixam no ar a pergunta “O que será que vai acontecer agora?”. O que é um sinal de respeito à inteligência do leitor. Talvez a única exceção, na coletânea da Leitura, seja o conto Suzana, que mais parece uma piadinha. Se me permitem o atrevimento, eu o tiraria, numa segunda edição, que certamente virá.