Thomas Bernhard, a quem Otto Maria Carpeaux se referia como “o melhor autor austríaco” do seu tempo, vem se notabilizando no Brasil desde o início da década de 90, quando Lya Luft traduziu, pela primeira vez entre nós, um de seus principais romances, Árvores abatidas, agora traduzido como Derrubar árvores por Sergio Tellaroli. Em seguida, romances, peças e contos vieram à luz por editoras brasileiras: O sobrinho de Wittgenstein, O náufrago, Perturbação, O fazedor de teatro e O imitador de vozes, entre outros trabalhos.
Autor de mais de vinte peças, Bernhard também ganhou os palcos brasileiros com Ludwig e suas irmãs, além das famosas adaptações de seus romances, como de Extinção, montada por Denise Stoklos, e o próprio Derrubar árvores, adaptado e estrelado por Antônio Abujamra em Exorbitâncias.
Derrubar árvores: uma irritação traça um retrato das contradições da classe artística austríaca, com seus fingimentos, dissimulações e sua hipocrisia. Essas características são reiteradas obsessivamente por um narrador que, sentado numa poltrona no canto da sala durante um jantar “artístico” promovido por um casal de amigos, observa em silêncio os convidados da festa, que há muitos anos foram sua companhia no meio teatral vienense.
O texto, que se orienta segundo o fluxo de pensamentos circulares, tem a forma de monólogo. Mas não se trata de um monólogo contínuo e desenvolto: os pensamentos se organizam em espiral, em repetições sem fim da mesma náusea e das mesmas angústias que alimentam o ódio que o narrador destina ao casal Auersberger e à classe artística como um todo, uma repulsa que, no fim das contas, diz respeito a ele próprio, também artista.
O seu estilo, atravessado ora por uma autoironia terrível, ora por um pessimismo apocalíptico, se assemelha a um discurso neurótico em que a repetição dá lugar à absoluta certeza, isto é, essa neurose não se manifesta meramente enquanto temática, mas como fundamento criativo de sua obra. Para os narradores bernhardianos, não há espaço para a dúvida e para o “talvez”, tudo é categórico e superlativo. Não é sem razão que o autor austríaco é conhecido pela crítica como “artista do exagero” [Übertreibungskünstler].
Entre os inúmeros elementos próprios da prosa de Thomas Bernhard, o suicídio é um denominador elementar. Assim como no romance O náufrago, em Derrubar árvores o enredo é centrado em reflexões sobre o suicídio de uma artista, Joana, amiga comum que possibilida o reencontro do narrador com seus velhos colegas do teatro. O encontro em memória de Joana vai se apagando e dando lugar a conversas vazias, exibicionismos e à bajulação entre artistas, o que se revela uma farsa aos olhos do narrador.
O discurso mau humorado é atravessado por referências eruditas às obras de Nikolai Gógol e Paul Celan, na literatura, e Webern e Schoenberg, na música, influências que permeiam a sua prosa e dão vitalidade a seus personagens, como quando Bernhard, em O náufrago, eleva o pianista canadense Glenn Gould ao símbolo da perfeição inalcançável.
Em excelente tradução de Sergio Tellaroli, Derrubar árvores: uma irritação sintetiza com perfeição os principais traços e obsessões da obra de Thomas Bernhard, como a repulsa à mediocridade ilustrada, ao fingimento histriônico, à falsidade que reduz as pessoas a bajuladores e à própria sociedade vienense, que são combatidos mediante um discurso catártico, no qual conclui que a arte verdadeira só pode ser preservada mediante a fuga da artificialidade que a tudo consome. Como escreveu Carpeaux, “não se pode imaginar leitura mais repelente nem mais fascinante”.