Reflexão em pílulas

Em Cazarré, o pensar é superior ao agir
Lourenço Cazarré, autor de “Sinfonia dos animais noturnos”
01/06/2005

Há quem goste de começar a ler um livro pela orelha ou pela contracapa. No caso de um autor desconhecido para o leitor, essa pode ser uma dica do que se pode esperar do livro. Por outro lado, se você prefere deixar a orelha e/ou a contracapa para depois, poderá ficar intrigado. Afinal, o que dizem aquelas críticas — invariavelmente favoráveis — podem ser absolutamente contrárias ao que se leu no livro.

Essa é a minha experiência com A arte excêntrica dos goleiros de Lourenço Cazarré. O livro, o quinto de contos do autor, reúne 14 relatos escritos entre 1983 e 2003, metade deles inédita, e que falam sobre artistas ou pessoas comuns. O que caracteriza todos os textos é o predomínio da reflexão sobre a ação, do pensamento sobre o verbo — os diálogos que há na obra são mais como monólogos, pessoas falando para organizar suas idéias.

As personagens de Cazarré poderiam ser encontradas em qualquer cidade. Engenheiro, jornalista, dona de bar, pessoas sem profissões conhecidas, um velho goleiro, crítico de arte, professor de dramaturgia e escritor, entre outros, gente conhecida sem ser popular, de cujas histórias Cazarré se apropria. Em todos, sabe-se que se está falando de um momento crucial da vida, seja do personagem principal, seja de quem narra e interage, naquele momento, com o protagonista.

Assim, os contos podem ser significativos para o leitor desde que ele se deixe levar pela linha de raciocínio explorada por quem conta o conto. Se há empatia entre o que é dito e o que se sente, há a tendência de se achar o conto bom. Se não há ligação efetiva e afetiva, o conto perde a sua força e pode ser considerado ruim, sem atrativo, insosso.

Dizer que Os miseráveis vivem à beira dos rios é bom só porque você também é jornalista (ou um pinguço profissional), e dizer que Drama do artesão e de suas criaturas é ruim pois parece lançar mão de diálogos feitos para uma peça do teatro para chocar — muitos gritos no palco, nudez gratuita e alguma cena de perversão — é reduzir o texto. Na prática, é necessário encontrar-se com o texto do autor, deixar-se identificar e então aproveitar o que Cazarré nos diz. Do contrário, corre-se o risco de achar o livro uma perda de tempo, um aglomerado de palavras — não em excesso, necessário ressaltar — sem nexo.

E como a cada dia é maior a quantidade de leitores dispostos a achar o Código Da Vinci um exemplo de erudição, quando não passa de mais um best seller com uma ótima roupagem intelectual, será pequena a quantidade de leitores que considerará A arte excêntrica dos goleiros uma leitura rápida, parecida com a de outros contos. Muitos acharão que há reflexão demais e ação de menos em Cazarré. Poucos se lembrarão que a maior parte da ação de nossas vidas é cerebral, e não corporal. A vida comum possui mais momentos catárticos à Clarice Lispector do que à Hollywood.

Eu não estou entre eles.

A arte excêntrica dos goleiros
Lourenço Cazarré
LGE Editora e WS Editor
134 págs.
Adriano Koehler

É jornalista. Vive em Curitiba (PR).

Rascunho