Quando éramos jovens

Resenha do livro "Para quando formos melhores", de Celeste Antunes
Celeste Antunes, autora de “Para quando formos melhores”
01/01/2014

A história de cinco adolescentes vivendo novas experiências tem tudo para soar como roteiro de filme da “Sessão da Tarde”, mas Celeste Antunes consegue fazer com que ela se pareça mais com um filme francês. Para quando formos melhores narra o período da adolescência de Sara, Fran, Teo, Lucas e Miguel, com suas primeiras experiências sociais, afetivas, sexuais e até alucinógenas. Os personagens são colegas de escola e parecem estar o tempo inteiro juntos: na casa um do outro, em festas e bares, dividindo uma intimidade intensa típica desse momento.

Parte da narrativa se constrói pelas diferenças na personalidade dos cinco amigos, trazendo questionamentos, medos e felicidades distintos, de forma que a autora explora de maneira abrangente os diversos sentimentos que podem surgir nessa fase.

Entre os personagens, Fran é a de atitude mais blasé, o tempo todo esperando ser surpreendida, mas quase nunca sendo: “Fran parecia alguém que ficou com preguiça de achar o controle remoto e está assistindo o mesmo programa ruim há cinco horas, enquanto passa o fio dental”. Teo é otimista, empático e o mais certinho do grupo; senta-se nas primeiras carteiras da sala de aula, empenhando-se e prestando atenção, e passa um ar de quem entende melhor o que está acontecendo entre eles e o resto do mundo. Miguel é inseguro, e por vezes parece fora do lugar; perdeu o interesse nas aulas e senta-se ao fundo para poder fazer coisas que lhe interessam mais. Junto a ele, no fundo da sala, está Lucas, que prefere dormir e não fazer nada. O mais agressivo de todos, Lucas parece não pensar sobre para onde quer ir com sua vida, e se aflige menos com as mudanças. Por fim, Sara é espontânea e impulsiva, aberta a novas experiências, mas talvez um pouco confusa por ter possibilidades demais.

Eles mostram uma grande sinceridade no que dizem, sentem e fazem, principalmente entre si. A intensidade com que vivem esta amizade mostra que ainda não foram moldados sobre o que é aceitável, educado ou respeitável entre as pessoas. São, sim, espontâneos e quase inocentes, sem receios ou travas — a não ser aquelas da inexperiência —, dizendo de tudo uns para os outros.

A história do grupo é permeada por dúvidas existenciais e incertezas, por vezes debatidas na mesa do bar ou no quarto de alguém. Mas ao mesmo tempo em que existe uma liberdade para se dizer tudo, há também insegurança, o que gera medo de assumir um sentimento e expressá-lo em palavras, principalmente para Miguel. Apesar de gostar de Fran, ele nunca consegue se resolver e sequer pensa em falar com ela sobre o assunto.

Relações efêmeras
O (não) desenlace da relação entre os dois é um momento decisivo da narrativa, e faz com que o foco do enredo mude sutilmente para Miguel. Essa sutileza da passagem se deve principalmente à maneira com que é construída e narrada, sem colocar os outros personagens de lado enquanto se aprofunda no garoto: o livro acompanha o processo em que os sentimentos de Miguel mudam em relação aos seus colegas.

De certa forma, o que ele começa a sentir é uma impaciência — sem saber o que aguardar e sonhar, decide simplesmente não mais esperar. Perdendo o interesse no colégio e nos amigos, ele se divide entre querer mudar sua vida naquele momento ou simplesmente ficar na cama até acontecer alguma coisa: “Fran esperava por todos os livros que não leu, os filmes que não viu, as pessoas que não conheceu, os homens com quem não transou, os filhos que não teve, a velhice e, depois, a morte. Miguel não tava afim de esperar”.

Gradativamente, a narrativa foca cada vez mais essa mudança em Miguel, que pode ser entendida como um cansaço, apatia, desistência ou até medo do futuro que chega a afetar a maneira com que vive o presente, pessimista. “Se ele pudesse escolher, morreria de uma vez só, sem ficar velho, nem doente, e viraria vento pra não ter que virar cadáver e apodrecer.” Nesse momento, os pais do personagem começam a fazer parte da história (antes disso, os pais eram eventualmente citados, mas não participavam diretamente do enredo). Sua mãe de certa forma define o que ele sente ao falar para o pai que “(…) havia uma vala enorme entre o que seu filho falava e os seus olhos molhados, e que ela estava morrendo de medo de ele tropeçar e cair”.

Essa mudança de foco chama atenção para o quão efêmera as relações entre adolescentes podem ser. Apesar de ser uma amizade intensa e sincera, os demais personagens não parecem acompanhar tão bem o que acontece com Miguel, e nem ele dá a impressão de querer que o acompanhem. Se Teo ainda aparece, talvez não saiba lidar muito bem com a nova situação. Aos poucos, os laços entre eles começam a se desfazer, com a mesma naturalidade com que foram feitos. O fim é ao mesmo tempo triste e natural.

Espontaneidade
Uma das características do texto de Celeste Antunes são os diálogos bem marcados, como falas de um roteiro de teatro ou cinema, permeados por parágrafos de narração. Em alguns trechos, a voz narradora poderia ser facilmente confundida com uma rubrica que guia os adolescentes em suas falas — sempre cheias de referências, piadas ao lado de grandes autores (como Kafka ou Dostoiévski), trocadilhos, gírias e liberdade. De certa maneira, esse formato dá mais voz aos próprios personagens — afinal, são exatamente as suas palavras que estão ali no papel — e prescinde que o narrador conte o que eles sentem. A voz narrativa, então, se assume em uma posição de registro, sem interpretar, mudar, melhorar ou alterar de qualquer forma o que acontece. O resultado é que as falas dos personagens soam mais espontâneas, sinceras, diretas e sem julgamentos, deixando a sensação da leitura similar a estar entre eles, ser um deles ou ouvir sua conversa — impressão de certeza e verdade, como se tudo tivesse de fato acontecido assim.

Um dos diálogos mais característicos pode ser o momento em que vão a uma festa, bebem mais do que costumam e experimentam cocaína. A construção faz o momento parecer legítimo: os personagens bebem por estarem deslocados e ficam tão bêbados que parecem ainda mais deslocados. O diálogo com pouco sentido e as ações, igualmente sem finalidade, apenas mostram aquela que possivelmente será a primeira grande ressaca.

Sintomas de liberdade
A hesitação de quem vive certas coisas pela primeira vez também é marcante. Miguel, por exemplo, por não saber lidar com seus sentimentos por Fran, fica sem saber expressá-los — tanto para ela quanto para os outros. Montar frases com sentido de certa forma é entender e digerir algo que ainda está além da compreensão do personagem, e isso transparece em suas falas. No fim, a maneira com que Miguel quer se afastar de sua vida é apenas um sintoma da liberdade dessa idade. Pode-se tanto que cansar e desistir também é uma possibilidade.

Para quando formos melhores constrói seus personagens de forma quase isenta, com pouca ajuda do narrador: eles são entregues de uma maneira crua e direta, quase como pessoas reais, e fica a cargo do leitor entender e interpretá-los. Tal sinceridade e intensidade da narrativa acompanha a sinceridade dos próprios adolescentes — fazendo com que o leitor se sinta muito próximo deles.

Para quando formos melhores
Celeste Antunes
Editora 34
104 págs.
Celeste Antunes
Nasceu em 1991, em São Paulo (SP), e cursa faculdade de cinema. Em 2010, escreveu e dirigiu a peça Fermento. Em 2013, dirigiu o curta-metragem Fogo baixo. Para quando formos melhores é seu primeiro livro.
Gisele Eberspächer

É jornalista e pesquisadora nas áreas de cultura e identidade.

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