Um dos ataques mais comuns feitos aos críticos de um modo geral é a sentença: “Quem sabe, faz; quem não sabe, critica; e quem não sabe criticar, ensina”. Maldade, pura maldade. Até porque boa parte dos críticos literários, para ficar na seara dos livros, pertenceu também à categoria de criadores. Na literatura estrangeira, T. S. Eliot, Ezra Pound e Bernard Shaw são alguns exemplos. Já na literatura brasileira, Mário Faustino foi um talento que manejava muito bem as duas áreas, a da crítica e a da criação. Em verdade, o ataque busca desqualificar o crítico não apenas por sua eventual qualidade como autor, mas, em especial, por sua falta de coragem de ser autor, pois, a partir daí, estaria sujeito às mesmas agruras dos outros escritores, deixando de ser crítico. Silviano Santiago é um dos poucos intelectuais no Brasil cuja produção se mantém ativa nas suas três especialidades — como crítico literário, professor e escritor. Colaborador constante de alguns dos principais suplementos culturais do Brasil — como o caderno Mais, da Folha de S.Paulo —, acaba de lançar Histórias Mal Contadas, coletânea de 13 contos na qual, para o bem e para o mal, apresenta e reitera que, antes de escritor, sempre será um intelectual.
De início, é necessário destacar o formato escolhido por Santiago, o conto. No Brasil, esse gênero em muito se confunde com a crônica, que é um gênero jornalístico. E aqui está a chave. Apesar de serem parecidos, conto e crônica são distintos. O primeiro pertence à literatura e não necessariamente faz uso da realidade. Enquanto a crônica é uma peça que mistura realidade e ficção; em alguns casos, toma a memória como matéria-prima (fatos) e o estilo literário como contorno. É o que faz Silviano Santiago em suas histórias. Os primeiros cinco contos remontam a experiência dele como professor e bolsista nos Estados Unidos e na França, um intelectual à beira das ilusões perdidas, ora com o preconceito com os imigrantes, ora com o falso moralismo que ele enfrentava.
O principal problema dessas Histórias Mal Contadas, contudo, é outro. Trata-se da ênfase do intelectual ao expor sua erudição nas técnicas narrativas e nas referências e insights culturais. Em outras palavras, Santiago, mesmo quando autor de ficção, impõe aos leitores uma prosa professoral, apesar de estilisticamente elevada. Nos textos Envelope azul e Borrão, por exemplo, ele aposta as primeiras páginas na explicação do conto em questão antes de começar a narrativa. É como se fosse um abstract de uma dissertação. O crítico faz questão, ainda, de sempre soltar citações “inteligentes”, mas, em vez de deixar a descoberta para o leitor, ele mesmo as explica, como é o caso de Hello, Dolly!, quando escreve uma carta ao filósofo alemão Walter Benjamin, fazendo menções à clonagem e ao cantor popular Caetano Veloso. Grosso modo, é correto afirmar que o texto de Silviano Santiago possui uma marca. No entanto, essas histórias precisam menos do professor e mais do escritor.