Previsível tédio

“Hoje está um dia morto”, de André de Leones, é apenas a história da falta de perspectiva de seus protagonistas
01/08/2006

Tédio. Um dia após o outro, a mesma coisa. As mesmas pessoas. O mesmo programa. A mesma sensação de não se encaixar na turma, em casa, na vida. Tédio, tédio, tédio. Parece a ladainha, o mantra recitado monotonamente pelos escritores que arriscam falar sobre a juventude. É livro sobre jovens? Dá-lhe relações confusas ou superficiais com os pais, inadequação na escola, falta de idéias, falta de perspectivas, revolta, álcool, drogas, sexo — não necessariamente nessa ordem. Tédio, tédio, tédio. Há tempos não leio nada que mude essa idéia preestabelecida por mim mesma.

Ao espiar as orelhas dos livros, sempre me deparo com algum comentário que me faz acreditar que, realmente, escritores que se aventuram a “decifrar” a juventude, não estão lá com a bola muito cheia. Quando li a orelha e a contracapa de Hoje está um dia morto, de André de Leones, até pensei que poderia estar diante de uma obra diferente. Moacyr Scliar e Luiz Antonio de Assis Brasil consideraram o romance o melhor inscrito no Prêmio Sesc de Literatura 2005 e, de quebra, derramaram-se em elogios ao escritor goiano. À narrativa, ao conteúdo, à forma como ele trata e retrata a juventude nacional. Ou melhor, mundial… “Não é um reviver do tedium vitae […], mas algo muito mais denso que engloba não apenas o indivíduo, mas toda a sociedade, minando-a em seus fundamentos e negando-lhe um futuro. A quebra de paradigmas decorrentes da queda do Muro de Berlim levou-nos a um grande ponto de interrogação, a ser respondido pela Literatura, mesmo que esta se desvincule do comum das ruas”, diz Assis Brasil. Foi longe! Já Scliar afirma que Hoje está um dia morto é um livro surpreendente.

Li o romance premiado e recomendado. Não é uma obra ruim. Mas também não é lá grande literatura. Para o meu gosto, faltaram o algo mais que prometeu Assis Brasil e as surpresas propagadas por Scliar. O que tem de sobra é a falta de perspectivas do casal de protagonistas, Jean e Fabiana. E aquela sensação de que eles não se encaixam na turma, na casa, na vida. Ou seja… parece um livro lido. E relido. Várias vezes.

A história peca pela previsibilidade — até mesmo ao apresentar um “final surpreendente”. Na verdade, o final é mais um choque do que uma surpresa. Mas, vá lá, até consegue fazer com que a leitura — mesmo que no finzinho — tenha um sobressalto. Na mesma medida em que a história carece de emoção e novidade, no entanto, a linguagem que Leones escolheu é muitíssimo apropriada. Ao contrário da monótona vida do casal cinzento que passeia pela obra — minha impressão é de que eles têm sempre cabeça baixa e tênis chutando as pedrinhas do caminho —, a narrativa é ágil, descritiva e colorida, de certa forma. É aí que o livro ganha um pouco mais de força. É uma linguagem simples, comum, apropriada aos protagonistas retratados na história.

Minuto de silêncio. Jean trouxe um livro no bolso da jaqueta, O Castelo. Quando Fabiana perguntou por que ele estava levando um livro para um boteco, ele não respondeu. Não sabia e sentia um pouco de vergonha por isso. Não planejava sentar-se à mesa no bar e abrir o livro, mesmo que o lugar estivesse vazio, como de fato está. Mas trouxe o livro. Fabiana lembra-se deste detalhe agora:

— Odeio ler. Prefiro ir à praia.
— Aqui não tem praia.
— Pra você ver o quanto minha vida é sacal. (pág. 101)

A narrativa tem muito de cinematográfica. Provavelmente porque André de Leones é formado em cinema. Em uma entrevista para o Sesc, ele diz que a idéia para o livro surgiu, na verdade, de um roteiro para cinema. Mas que tratamento após tratamento, a narrativa perdeu os traços do cinema e virou “literatura pura”. Não a meu ver. Para mim, é muitíssimo cinematográfica a seqüência a seguir, que intercala diálogos de Jean e a diretora da escola, e de Fabiana com a bibliotecária:

— Ainda lê muito, Jean?
— Não o bastante.
— E quanto seria o bastante?
— Até a cabeça estourar.

— É que não é um livro como esse seu.
— E como é, então?
— Diferente.
— Por quê?
— Porque sim, ué. Porque sim.

— O que você lê?
— De tudo.
— Por exemplo?
— O Estrangeiro.
— Kafka?
Jean sorri.
— Desculpe.
— Sem problema. Foi engraçado.

— Sei. Esses livros malucos, escritos por malucos para gente maluca.
— Por aí.
— Então você é maluca, garota?
— Maluquinha.
— E lê só essas coisas para se sentir mais maluca?
— Por aí.
— Aposto que gosta de rock. (págs. 58 e 59)

Só faltou o “corte seco para Jean, sorriso de canto de boca, olhando para a freira”. Ou algo parecido. Felizmente ele usou esse tipo de artifício. Deu uma agilidade importante para o livro. Que poderia se arrastar e arrastar e morrer antes mesmo de chegar à praia, não fosse essa escolha.

Hoje está um dia morto é um livro de estréia (e é sempre louvável alguém se arriscar a publicar). Apesar dos altos e baixos, dá seu recado — embora seja um recado um tanto antigo. Agora é esperar o próximo livro — que já deve estar na cabeça de Leones — para ver o amadurecimento do escritor. Ou não.

Hoje está um dia morto
André de Leones
Record
157 págs.
André de Leones
Tem 26 anos e mora em Goiânia (GO). É formado em cinema e estuda jornalismo. Vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2005, Hoje está um dia morto é seu primeiro livro.
Andrea Ribeiro

É jornalista.

Rascunho