Corrupção na polícia é fato. Assim como na medicina, na imprensa, na escola, na saúde, na justiça, na política… Não há novidade aí. O livro O tolo precário, do jornalista Wilson Rossato, que trata desse assunto, não traz novidade nenhuma, portanto. Nem em conteúdo, nem em forma ou linguagem. Não que seja um livro ruim. Apenas não tem nada de diferente. É básico, básico. Um daqueles livros que lemos rapidamente, para passar o tempo. Sem compromisso.
A história é a seguinte: Sete é escrivão de polícia em uma cidade qualquer. Trabalha 24 horas e folga 72, mas não sabe muito bem o que fazer nos três dias sem expediente — não tem família na cidade, não tem amores, não faz nada com seus dias livres. É o tédio em pessoa. Conformado com a vida, com a injustiça, com as torneiras que pingam sem parar, com o vazio. É um homem sonolento. Tem uma vida que segue. Só.
No serviço, uma de suas missões é acobertar as barbaridades que os colegas policiais fazem, alterando relatórios, enfeitando um pouco as ocorrências. Tudo igual, todos os dias em que trabalha. Uma noite, só para variar um pouco, acaba participando de uma sessão tipo Clube da luta, junto com seus coleguinhas, na “Sala do Pau”. Dá um chutão num traficante qualquer que ia ser apresentado à imprensa como um dos maiores vilões do tráfico da região. Figurativo, basicamente. Para mostrar serviço. O problema é que o moço morre. Vários policiais participaram da sessão de tortura. Não se sabe, ao certo, quem deu o golpe que matou o rapagão. Mas alguém tem de chamar a culpa para si. Ainda mais agora, que o chefe dos tiras está para ser promovido. Escândalo total. Acaba sobrando para ele, Sete, o mais fraco. Ele não diz que sim nem que não, apesar de ter recebido uma graninha extra pelos serviços que serão prestados. Fica lá, feito um zumbi, passando seus dias sem fazer nada. Sem se preocupar com nada. Quando ele percebe que a coisa pode piorar para seu lado, resolve fazer uma visita aos pais, que moram em uma fazenda. E é isso.
Se bem explorada, a história até poderia render bem. Apesar de o tema ser quase que obrigatório nos jornais, o enredo não é tão explorado assim na literatura. Por esse viés, contado pelo lado do policial corrupto. Se fosse bem escrito, com uma linguagem mais ousada, talvez fosse um livro muito bom. Talvez. Mas, mesmo simples de tudo, O tolo precário, romance de estréia de Rossato, foi premiado na Oficina do Autor (Funarte, 2001) e Redescoberta da Literatura Brasileira (Revista Cult, 2002). No prefácio, Nelson Oliveira enche o livro de elogios e vê o que não vi após a leitura. “Sete é a única personificação possível do Messias nos dias que correm. É ele quem deve guardar para si — jamais pregar — a palavra do ódio. Tudo me faz crer que esse impulso de aniquilação leva a Deus, vem de Deus (…)” Exagero. Mas tudo bem. Há leituras e leituras.
Pela minha leitura, dá para perceber que o livro foi escrito por um jornalista. Desses que trabalhou muitos anos com reportagens policiais. Tem uma linguagem seca. Um tanto sem graça. Própria de quem viveu muito tempo em redações tumultuadas, com a pressão para a entrega de matérias de página inteira dentro do prazo do fechamento do jornal. Não fala do divino não mostra um “Messias”. Parece mais uma grande matéria de domingo. Uma do Fantástico — daquelas narradas poeticamente por um dos repórteres mais famosos, com musiquinha triste ao fundo. Algo como: “Sete, assim como terceiro e menos conhecido filho de Adão e Eva, teve uma vida apagada. Quando não estava na delegacia, passava as tardes vendo os aposentados jogarem dominó na praça. Ninguém o notava. Até a noite em que seus colegas de profissão resolveram fazer uma sessão de tortura com um suspeito de comandar o tráfico na cidade. A partir desse dia, a vida deste escrivão de polícia nunca mais foi a mesma” (Imagens feitas com a câmera seguindo os velhinhos no jogo de dominó, em círculos. Depois, a câmera passeia por uma sala escura, com uma meia-luz e uma cadeira solitária. Barulho de soco. Aquele bem seco.)