Pouco ortodoxo

“Preto no branco”, de George Pelecanos, é policial que investiga o racismo
George Pelecanos, autor de “Preto no branco”
01/05/2006

Em Preto no branco, de George Pelecanos, o detetive Derek Strange é mais um ex-policial que, depois de ter abandonado a força, decidiu imprimir seu talento no ramo da investigação particular. Sua trajetória não possui um fator trágico, mas, como detetive, ele tem seus maneirismos. O cachorro. O modo de tratar determinados casos e clientes. A paixão pela secretária. Mas esse panorama sofre uma alteração quando Strange é contratado para investigar as causas de um caso que foi considerado como fatalidade: a morte de um policial negro, que estava em serviço, por um outro policial, branco. Como se torna desnecessário explicar aqui o título deste livro, o autor inclui na história um conflito pela liderança no mundo das drogas. Mais um plot para uma romance policial.

Numa linguagem que às vezes se confunde com o relato jornalístico, tamanho o cunho descritivo do romance, Pelecanos toma de assalto a atenção do leitor com uma escrita que apela freqüentemente às imagens. Do mesmo modo, procura não descuidar da questão racial e dos problemas inerentes a uma investigação da personagem principal. Nesse sentido, nota-se uma preocupação em fazer de seu herói um modelo, pelo menos é o que se observa no “discurso” a seguir, a propósito de sua condição:

Construíra o negócio sozinho e fizera algo de positivo no lugar onde nascera. Os meninos do bairro viam um negro [Strange] girar a chave da fechadura da porta da frente todas as manhãs, e quem sabe isso ficasse registrado em algum lugar lá dentro, quem sabe incutisse algo na cabeça da garotada, quer eles percebessem ou não. O negócio era o que ele era. Era ele e todo ele.

Para além dos já citados maneirismos comuns aos romances policiais, o detetive de Pelecanos mostra-se comedido em seus gestos, muito embora se preocupe quando escapa na bebida. De todo modo, o que chama a atenção é o fato de Derek Strange perseguir um método pouco ortodoxo nas suas investigações, preferindo uma conversa com os acusados (e, por extensão, a sinceridade) ao clima soturno que romances desse gênero sugerem. Em contrapartida, é interessante como o autor prepara um conflito entre mocinhos e bandidos ainda que estes não estejam aparentemente ligados. A grande virtude de sua narrativa é construir essas histórias ao mesmo tempo até que essas se cruzem naturalmente.

Decerto que Preto no branco é, às vezes, excessivamente detalhista em momentos que poderiam ser suprimidos sem grandes perdas. Para aplacar essa ansiedade, nota-se que o autor apresenta cada rua que passa e cada canção que toca no rádio do detetive. Desse modo, entende-se que Pelecanos pretende justamente fazer com que o leitor sinta-se instigado a olhar pelos ombros do detetive, vendo até o que Strange não consegue enxergar. Muito mais do que preto e branco.

Preto no branco
George Pelecanos
Trad.: Beth Vieira
Companhia das Letras
360 págs.
Fabio Silvestre Cardoso

É jornalista e doutor em América Latina pela Universidade de S.Paulo. Autor de Capanema (Record, 2019)

Rascunho