Por trás de um olhar

Em “Literatura nos jornais”, Cláudia Nina explora de maneira didática a fronteira entre os universos jornalístico e literário
Cláudia Nina: estudantes são o público-alvo.
01/10/2007

Já nas primeiras páginas, a autora deixa claro a que veio sua publicação: “que este livro não seja um manual, enfadonho por natureza, mas um curso, um seminário ou uma conversa, que são coisas muito mais sedutoras”. A sedução (ou a tentativa) em questão é o novo livro da jornalista e doutora em Letras pela Universidade de Utrecht, na Holanda, Cláudia Nina. Em Literatura nos jornais, a ex-editora do caderno Idéias & Livros, do Jornal do Brasil, explora de maneira didática a fronteira entre os universos jornalístico e literário. Desde os folhetins de Machado de Assis a suplementos contemporâneos, como o Mais!, da Folha de S. Paulo, e o Prosa & Verso, de O Globo, nada passa despercebido (o que não descarta uma certa superficialidade).

Depois de um semestre como professora de Comunicação na PUC-Rio, Cláudia Nina chegou a uma conclusão: para a maioria dos alunos, a “resenha é um bicho de sete-cabeças”. Curso terminado, a inquietação da jornalista permaneceu. A escassez de uma bibliografia básica sobre crítica literária na imprensa impulsionou sua bolsa de pós-doutorado no departamento de Letras da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Literatura nos jornais é justamente fruto de tal trabalho de pesquisa. Mais uma dica, portanto: o público-alvo são estudantes de Letras, Jornalismo ou curiosos de plantão. Para os já iniciados à crítica na imprensa e, conseqüentemente, à sua história, a obra de Cláudia Nina deixa a desejar. Em especial, se compararmos a outras publicações brasileiras relacionadas ao tema, como Sobre a crítica literária brasileira no último meio século, da professora da USP, Leda Tenório da Motta; ou O livro no jornal, da jornalista Isabel Travancas.

Dividido em três capítulos — Jornalismo e literatura, A resenha e Breve retrato dos cadernos literários —, o livro de Cláudia Nina tem como marca o tom professoral. A partir de perguntas retóricas, a jornalista desdobra os caminhos da crítica. Nascida no século 19, junto à imprensa. O uso de trocadilhos e o excesso verbal, como pontua a autora, caracterizaram as reflexões literárias desse período. Soma-se ainda a tradicional e ainda hoje representativa ação entre amigos e inimigos (elogiar a obra do colega e destruir a de um desafeto). Sinal de imaturidade, de acordo com a jornalista. Reflexo do marasmo da crítica e de certa hipocrisia que paira na vida literária? Também, não há dúvidas.

Em um pulo no tempo, Cláudia avança para a crítica de rodapé do século 20. Época do surgimento da faculdade de Letras no Brasil e da famosa briga intelectual entre Álvaro Lins e Afrânio Coutinho. No fim dos anos 40, como nos conta a autora, o impressionismo crítico (aplicado por Lins nos rodapés) passou a ser combatido por Coutinho, recém-chegado dos Estados Unidos, no suplemento literário do Diário de Notícias. Foi nesse momento, em especial, que a birra entre a crítica produzida pela academia e pelos jornais se acirrou. “Enquanto nas universidades os professores elaboram e especializam cada vez mais os discursos, nos meios de comunicação simplifica-se a linguagem escrita ao gosto do jornalismo moderno”.

Se apontar elementos negativos em uma obra não é apenas importante como inevitável, conforme afirmação da própria autora, chegou a hora de apontá-los. Da análise da crítica impressionista da primeira metade do século 20, a obra de Cláudia Nina salta para o tópico A crítica de hoje e suas querelas. Apresenta, portanto, uma lacuna significativa no que diz respeito aos anos 50 e 60. Décadas, por sinal, que atiçaram os fervores literários. Época do nascimento do concretismo, da circulação das revistas Clima e Noigrandes, do auge do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil e, em especial, da página Poesia-Experiência, de Mário Faustino. Conhecido como o anjo e o diabo dos poetas, Faustino revolucionou a crítica, tanto na forma quanto no conteúdo. Mesmo assim ficou de fora do Literatura nos jornais. Recuperar a participação de Faustino na história literária brasileira é um trabalho imprescindível para os próximos estudos de crítica que certamente virão.

Por ter um pé na academia e outro em redação de jornal, com maestria, nos últimos dois capítulos, Cláudia Nina expõe com naturalidade os bastidores de um suplemento literário. Desde a escolha dos livros a serem resenhados (assume que o gosto pessoal do editor influencia) à cobrança do mercado editorial, tudo é esmiuçado pela autora. Àqueles que pretendem trabalhar em suplementos ou mesmo aos escritores que nunca entendem bem os critérios editoriais de um caderno literário, a reta final do livro é, de fato, uma aula. Aos iniciantes, em particular, as quase 15 páginas de bibliografia enriquecem muito a leitura.

E como acentua a jornalista: “Na verdade, amarrar conclusões quando se trata de fazer uma resenha é limitar a compreensão de um livro. Esta lição de crítica jamais pode ser esquecida: ninguém é juiz de nada”. Ou nas palavras de Pound, basta de comentar a coisa, olhemos para ela, é o melhor a se fazer.

Literatura nos jornais
A crítica literária dos rodapés às resenhas
Cláudia Nina
Summus
95 páginas
Cláudia Nina
Crítica literária, jornalista e professora de Teoria Literária. Ex-editora do caderno Idéias & Livros, do Jornal do Brasil, escreve para a revista EntreLivros e para o caderno Prosa & Verso, do jornal O Globo. É doutora em Letras pela Universidade de Utrecht, na Holanda, onde defendeu a tese Exilic/nomadic itineraries in Clarice Lispector’s works, que, no Brasil, foi publicada com o título de A palavra usurpada — Exílio e nomadismo na obra de Clarice Lispector (EDIPUCRS). Foi também editora do site Traça On-line. Em 2003, ganhou a bolsa Prodoc da Capes com um projeto intitulado Crítica literária em uma perspectiva histórica. Sua mais recente pesquisa é sobre a literatura contemporânea e a obra de alguns dos autores mais significativos da atualidade.
Paula Barcellos
Rascunho