Graham Greene é um escritor fora da moda. A afirmação, que pode assustar o leitor que não chegar ao final deste texto, não é simplesmente uma boutade, mas uma constatação. E este resenhista chegou a esse consenso após leitura e reflexão de dois livros de Greene, recentemente relançados: O cerne da questão e O americano tranqüilo. Nessas obras, o leitor observa não só uma espécie de síntese do repertório literário do jornalista e dublê de agente secreto Henry Graham Greene (1904-1991), como também tem em mãos uma interpretação (ficcional) de um mundo como ele foi, apresentando como temas centrais as relações amorosas e os dilemas morais, que, invariavelmente, batem à porta quando se trata de um romance deste autor. Por essas características, e algumas outras a serem mais dissecadas nesse texto, talvez seja o caso de revisitar a obra do escritor. Vejamos por quê.
À primeira vista, também os dois livros — que contam com ótimos prefácios de Carlos Vogt, para O cerne da questão, e Manuel da Costa Pinto, no caso de O americano tranqüilo — não dialogam com o século 21. Tal concepção, a bem da verdade, se deve ao fato de as narrativas estabelecerem como pano de fundo uma ordem mundial ultrapassada, mais especificamente porque têm como cenário a ambientação, o ocaso do colonialismo inglês e a emergência dos Estados Unidos como nação hegemônica. Nesse sentido, essas duas “realidades” já estariam desfeitas, sobretudo em um mundo em que o Império da Globalização e o Choque das Civilizações caminham lado a lado, criando espaço para o terror em escala global, como se viu ao longo dessa década com os atentados do 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos, de Madrid em 11 de Março de 2004, ou, ainda, em Londres em julho de 2005. Para além desse quebra-cabeça geopolítico, a obra de Greene, também aparentemente, em nada diz respeito à guinada religiosa — para não dizer fundamentalismo cristão ou islâmico — em um mundo cujas ideologias estão em colapso. Pois é a despeito dessas leituras parciais que os livros de Graham Greene se encaixam como peças ficcionais elementares para a compreensão de um mundo mais complexo. Certamente, trata-se de interpretação que demanda a coesão das partes para o entendimento do todo.
Assim, em O cerne da questão, lê-se a trajetória de um homem que chegou à encruzilhada de sua vida. É pela vida pacata do oficial Scobie, protagonista da história, que se observa como a culpa, movida pelo senso de responsabilidade, provoca a personagem central a enfrentar seus mais dramáticos dilemas morais e agir contrário aos seus princípios. Aqui, bebendo na fonte de outro autores que também problematizaram a culpa, como Dostoiévski e Camus, Greene coloca em xeque a moral ao mostrar do que Scobie é capaz para que suas iniqüidades não sejam descortinadas. Nesse sentido, é possível, sim, relacionar essa angústia com a sensação de vazio que permeia o homem pós-moderno, supostamente ausente de valores cristãos, mas que, apesar disso, enxerga-se culpado por ser livre dentro da sociedade de consumo. Na obra de Greene, o homem não racionaliza e age de acordo com o instinto de sobrevivência. Fora da ficção, o homem, personagem de si mesmo, age segundo seus instintos mais primitivos, muito embora busque na religião a racionalização para o seu mal-estar.
Triângulo amoroso
Já em O americano tranqüilo, nota-se a presença do triângulo amoroso como eixo central da narrativa: um jornalista inglês cínico (Fowler); o americano (o tranqüilo Pyle) afeito às teses em prol da democratização do mundo; e a mulher ignorante (a apaixonada Phuong) que, em busca de proteção, desconhece as tramas em seu redor. Em certa medida, a obra trata de que forma as ideologias, se aceitas cegamente, podem ser facilmente corroídas por outros interesses, sobretudo pela busca do poder, do que não necessariamente se fala quando o assunto é a presença das grandes nações em países que são verdadeiros quintais. A propósito, no momento da segunda incursão norte-americana no Iraque, alguns observadores mais argutos lembraram-se desta obra de Graham Greene, em especial porque o comportamento típico do americano, diziam esses observadores, poderia ser explicado neste livro. Percebe-se, ademais, que o autor não conta com estilo mais original em relação à construção da narrativa. Antes, interessa-lhe o sabor do significado do diálogo possível entre as personagens, algo mais psicológico, novamente voltado à discussão moral, de fundo, e não necessariamente estilística ou estética.
Desse modo, diferentemente dos romances deste tempo, os livros de Graham Greene versam de forma mais abrangentes em temas de cunho político e de maneira mais particular em discussões mais sentimentais. Sua narrativa, nesse sentido, não se baseava em uma leitura acadêmica, quiçá pós-moderna, de mundo, algo que é feito hoje tendo em vista que, atualmente, grosso modo, um escritor produz sua obra de forma a dialogar com a teoria crítica. Por outro lado, os personagens de Greene hesitam entre o certo e errado, entre a moralidade e a ética, num embate que raramente possui soluções fáceis, ao contrário dos protagonistas deste presente momento histórico, cujos dilemas são de ordem mais comportamental, deflagrando uma completa inadequação com o senso de responsabilidade que se costuma exigir dos adultos. Nesse aspecto, é como se o personagem refletisse a incapacidade do leitor de crescer. Tal característica pode ser facilmente contemplada à luz da lista dos autores mais populares: à sua época, Graham Greene teve fama internacional; hoje, talvez, seu equivalente poderia ser Nick Hornby, de quem os protagonistas são eternos adolescentes.
A importância de Graham Greene, hoje, possivelmente não se dá somente pela temática de um dos escritores mais prolíficos de seu tempo. Greene é relevante porque apresenta um mundo complexo cujas respostas não são fáceis e que, por ser de outra época, não contava com tantas explicações e saídas para a fraqueza moral. Se as máscaras existiam como tais eram logo denunciadas — em vez de serem louvadas como modo de vida. É nesse sentido que essas obras de Greene mostram um pouco do que somos feitos.