As editoras brasileiras são engraçadas. Ou melhor, as nossas editoras não são engraçadas: elas são estranhas, enigmáticas.
Estranhas? Enigmáticas? Talvez não sejam essas as palavras – para os mistérios “engraçados” das nossas nada-engraçadas editoras. Refiro-me, é claro, às grandes, aos selos altos, às casas olímpicas e imprevisíveis na sua política (?) editorial.
Por exemplo: quem diria que o romance de estréia de um escritor inglês de 26 anos estaria traduzido no Brasil, menos de um ano depois do seu lançamento na Inglaterra?
Pois é o caso de Política, de Adam Thirlwell, aqui publicado “na lata”, ato contínuo, mais rápido do que imediatamente. E quem é Adam Thirlwell?
Bem, é natural que o leitor nunca tenha ouvido falar do jovem autor britânico, estreante na literatura anglo-saxônica, mas aqui já traduzido e lançado com o selo da Companhia das Letras (vocês sabem: aquele aviãozinho voando, no mais das vezes, a dez mil metros do solo literário brasileiro, com hangar privilegiado – do Unibanco – na aprazível Parati).
Para nós, os leitores botocudos, o aviãozinho não poderia ser mais ligeiro. Tão presto quanto possível – no serviço de turbo-atualização dos brasileiros -, o editor Luiz Schwarcz encarregou José Antonio Arantes da tradução de Política, e o tal romance foi lançado há cerca de dois meses, com 283 páginas, em nobre capa dura, ao preço de R$ 39,50.
Bem, o livro foi elogiado pela revista da moda – a Granta -, o que fez Schwarcz sair em busca da novel obra do inglês nascido em 1978, “crescido no norte de Londres” e bolsista, atualmente, de All Souls College (Oxford), onde Thirlwell tem muito o que aprender ainda, literariamente falando. Voltarei a falar do seu romance, mas a questão, por ora, é refletir na seguinte hipótese: poderia algum romancista tupiniquim estreante sequer sonhar com se ver traduzido por editora britânica, menos de um ano após aparecer aqui na taba?
Não responda, porque essa pergunta não tem nada a ver. Qualquer sujeito sensato sabe que se trata de azar nosso, ora, se nenhum Schwarcz do sul, do norte, do oeste ou do leste de Londres, lendo a Bravo! ou o Rascunho, corre logo para comprar os direitos de algum Economia, 283 páginas, capa mole, romance de estréia de Adão Tribufel, mineiro de 26 anos radicado na candanga Brasília dos forrós de Lula, etc.
A pergunta correta seria: quantos romancistas brasileiros – estreantes e não-estreantes – enviaram originais (talvez melhores do que Politics) para a Companhia das Letras e outras, sem obterem sequer uma resposta-fórmula, negativa, de duas linhas?
Diante de Política viajando nas asas da hiper-turbinada aeronave da nossa companhia aéreo-literária, fico cismando na quantidade – imensa, tenham certeza – de livros que caíram no buraco negro das principais casas editoras deste país de fuscas indignos da City.
Abre aspas. É chegada a hora de avisar que estou escrevendo sem reclamações pessoais a respeito do assunto. Tive três livros editados pela maior editora brasileira, a Record (A cabeça no fundo do entulho, Aspades Ets, etc. e Morte num ano de sombra, entre julho de 1999 e abril de 2000), dois romances publicados pela Editora Globo (A múmia do rosto dourado do Rio de Janeiro e O grau Graumann, respectivamente em 2001 e 2002), e, no momento, estou ligado à editora de Wagner Carelli e Sônia Nolasco, a W11, de São Paulo (que publicou, ano passado, o nosso Armada América, e se prepara para lançar meu novo romance, As confissões de Lúcio). Fecha aspas.
A minha boa sorte, como autor, não me coloca, entretanto, em posição indiferente para com a indiferença das editoras – sempre me referindo às “grandes”, e não às esforçadas “pequenas” – procuradas, segundo estou sabendo, por ótimos escritores como Francisco de Morais Mendes, Otávio Ramos, Gulherme Scalzilli, Regis Gonçalves, Wir Caetano, Almir de Castro Barros, Sérgio Fantini, Wilson Sagae, Wagner Mangueira, Milton Ribeiro e outros que até hoje esperam pela resposta das honoráveis companhias editoras para as quais enviaram livros (posso garantir) bem melhores do que o de estréia do jovem Adam Thirlwell.
E o que é o romance Política, do Adão Tribufel inglês? Primeiro, a gracinha do título é (você adivinhou?) uma piadinha-sem-graça: praticamente nada tem a ver com política o Politics do jovem Tribufú londrino, embora alguns “cortes” intempestivos se refiram, ocasionalmente, a Gramsci (por pura pedanteria), à Rússia pós-revolucionária e à Tchecoslováquia de Alexander Dubcek e Václav Havel. Tais transportes, radicais, visam a criar analogias, em diversos planos, para o ménage à trois que é o tema central da “comédia sobre sexo” (na definição da Companhia) conduzida por um irritante autor-personagem que se imiscui, o tempo todo, na narrativa. O leitor é obrigado a conviver mais com essa “intermediação ostensiva” das preferências, das opiniões e das idiossincrasias de Thirlwell do que com os personagens se movimentando, livremente, na ex-“swinging London”. Nenhuma novidade nisso – exceto que nunca antes fora feito com voz tão presente, autocomplacente e maravilhada por Thirlwell-se-saber-Thirlwell. São as duas “sacadas” essenciais de Adam: ele pensa que reinaugura o erotismo (se não a pornografia) na literatura, e também supõe que todos os leitores estarão mais interessados nele do que nos personagens catatônicos postos em cena pela imaginação limitada e rasteira do autor que enche o texto, estranhamente, da citação expressa de marcas e mais marcas de produtos de beleza e higiene, bebidas, comida pré-pronta, barrinhas de cereais, cornflakes, roupas e grifes de todo tipo, com tal insistência que é possível suspeitar-se (por que não?) de uma esperta mershandising embutida nas páginas de Política & Cia. Ltda…
Quanto ao “erotismo” adolescente do livro, eu ainda prefiro Anais Nïn ou mesmo o velho Henry Miller trabalhando em buracos negros e menos negros. São mais em cima do que Política consegue alcançar, com todos os pequenos truques que não tornam o trio central -Nana, Moshe e Anjali – mais real do que uma trindade de bonecos infláveis do arsenal da literatura na fronteira do pornotexto.
Ou, mesmo, são mais em baixo -os buracos todos -, se quisermos voltar ao tema das obscuridades das nossas editoras atentas a tudo que se publica lá fora e indiferentes aos originais enviados pelos Adams locais. As editoras nem os lêem, se querem saber a verdade. Um jovem escritor amigo nosso fez o teste: depois de mascar um chiclete, ele colocou parte da goma mastigada no meio do seu ótimo romance – de estréia -, antes de remeter para uma daquelas raras editoras brasileiras que, pelo menos, devolvem originais. Ao receber de volta o seu livro, depois de um bom tempo, descobriu que o pegajoso Adams ainda estava lá, entre as duas páginas coladas.