Pícaro cambaleante

Em “Cenas de amor perdido”, Antônio José de Moura se equilibra para ser irônico e engraçado. E cai
Antônio José de Moura, autor de “Cenas de amor perdido”
01/07/2007

Escrever com humor é muito mais difícil do que parece. A mão tem de ser firme. Não dá para vacilar. Um pesinho a mais e o que poderia ser divertido vira uma grande besteira. O que deveria ser irônico vira grosseria. O que supostamente seria um gracejo vira uma ofensa. Há uma linha fina, muito fina, separando o sucesso do fracasso retumbante. O romance Cenas de amor perdido, do goiano Antônio José de Moura, parece estar bambeando na linha fina, muito mais para lá do que para cá. Não há graça alguma. Nem ironia, nem gracejos, nem diversão. Há uma forçação de barra, um “humor” pseudo-intelectual, daqueles que inundam as páginas com milhares de citações e nomes de personagens e autores e personagens e bobagens desse tipo, e uma história lida, relida, trelida… Falta humor, falta ironia, falta novidade. Falta muito.

Cenas de amor perdido é o seguinte: dois homens estão num bar. Um deles conta as aventuras do maior galã de Erosópolis, o grande atleta de alcova Príncipe-Biá-Biazulmi. O rapaz não deixava passar nenhuma. As contas variam. Uns dizem que por ele passaram 23.531 mulheres. Outros, que essa conta estaria totalmente equivocada. O que é isso? Seriam quase 148 mil. Fora as prostitutas. Dentre as aventuras, um ou outro boato, como o de que Biazulmi teria sido casado com uma Amélia daquelas tipo da música. O fio condutor seria o encontro dos amigos no boteco com uma das “viúvas” de Biazulmi. Sim, o galã é defunto. E isso a gente já fica sabendo logo no primeiro capítulo. Seu destino não seria diferente: é morto por um dos milhares de cornos da cidade, é óbvio.

O que mais perturba, no livro todo, são as interferências do narrador. Enquanto ele conta as histórias de Biazulmi e interage com o colega no bar, fala sobre tantos assuntos que a paciência do leitor já se esgota lá pela página 50. De cigarro a música sertaneja, da anatomia das orientais a TV Globo, de política a religião e dicionários… São tantas bobagens, que o coitado do Biazulmi fica perdidão no meio da história. A impressão que se tem é de que o autor tinha material para uma novela (e seria uma novela decente) mas, como queria muito fazer um romance, encheu de outros temas no meio, para o livro ficar maiorzinho. A justificativa é que uma conversa passeia por vários temas, não se prende a uma coisa só. Sim, mas não vamos exagerar!

E os nomes dos capítulos… São uma dor de cabeça! Só como exemplo: “Onde entra um lente de excelso saber e excelentíssimas virtudes, ou seja, a mais perfeita concepção de cavalheiro já vista na Terra, mencionando-se ainda o nosso jeito nelore de ser e a maior promoção agropecuária do planeta, na qual se sobressaem agroboys e girls nelorizadas. As disputas do senhor governador e do senhor prefeito pelo título, trejeitos e atavios de caubói de Ringo Kid, sem esquecer o futebol, Pelé, o gigante do Planalto, os poetastros que não passam de vermes iconoclastas, além da injusta e predatória hegemonia do sul maravilha, aviada pela febre da música sertaneja, chamada aleivosamente de breganeja, que não pára de alastrar-se” (capítulo V, página 35). Valei-me!

Cenas de amor perdido
Antônio José de Moura
Record
252 págs.
Antônio José de Moura
Goiano e publicou, além de Cenas de amor perdido, oito livros. Quilômetro um e Porta sem chave (ambos de poesia), Notícias da terra, Magrinha, Mulheres do rio (contos), Dias de fogo, Umbra e Sete léguas de Paraíso (romances).
Andrea Ribeiro

É jornalista.

Rascunho