Há alguns anos, numa primeira abordagem ao departamento de filosofia da Universidade Federal de Goiás, encontrei grande resistência ao meu pedido: queria freqüentar as aulas da pós-graduação (e, se desse, da graduação também) como ouvinte. Não se preocupassem comigo, eu não queria entrar pra valer. Não só não me deixaram como me trataram como se eu fosse um bicho raro (no mau sentido) e provavelmente com segundas intenções. O que diabos um médico quer aqui, perguntavam. Em minha segunda abordagem, anos depois, fui mais bem recebido e tive chance de expor meus motivos: era um apaixonado por filosofia e queria sistematizar melhor minhas leituras, só isso. Deixaram-me entrar. Então, acabei fazendo pra valer.
Antes que me perguntem o que minha vida tem a ver com a Marcia Tiburi, explico: como fui (e de certa forma sempre serei) um outsider no metiê, vejo com grande simpatia toda tentativa de aproximar os diletantes e os profissionais da filosofia. Acho bastante saudável que alguém com conhecimento, didática e disposição se digne a olhar para os mortais. Se desencastele. Acrescente-se a isso o fato d’eu ser leitor fiel de Tiburi na revista Cult, e está colocada a condição com que me armei para ler seu livro: absolutamente predisposto a gostar.
Talvez seja por isso, essa grande expectativa, que me decepcionei. Filosofia em comum é, ou pretende ser, um livro de filosofia para não-filósofos. Mas “não-filósofos” é muito vago. Para quem será que Marcia escreveu seu livro? Aliás, esse é o maior problema que filósofos enfrentam quando querem escrever para não-iniciados. Como eu citei na edição passada do Rascunho, a respeito dos livros de Daniel Dennett (Darwin’s dangerous idea) e Richard Dawkins (Deus, um delírio), fica-se no meio do caminho. Nem para iniciados, nem para não-iniciados.
Mas, no caso de Tiburi, há um agravante. A maneira infantil que por vezes (muitas vezes!) trata seu leitor faz pensar que ela escreveu Filosofia em comum para imbecis. Por melhor que fosse sua intenção, essa história de ficar insistindo (principalmente no começo) pra “ler junto”, em voz alta, etc., e os trechos escritos de forma cursiva, como se fosse um livro infantil mesmo, são exasperadores. Do fundo do meu coração e do baú de minha memória, não consigo imaginar, nem em minha época de mero amador, que algo assim me agradasse. Pelo contrário, eu me sentiria agredido.
Mas o imbecil que lê deve ter, por outro lado, rompantes de inteligência (ou, pelo menos, conhecimento semântico-gramatical-filosófico). Sim, porque há vários momentos em que o jargão filosófico (do qual ela se esforça por se livrar) ataca com toda força. E aí é engraçado, pois, para alguém acostumado com ele não haveria problema, mas leva-se um susto, pois até então estávamos na área rasa da piscina, brincando de empurrar nosso barquinho, quando, de repente, pisamos noutro degrau e afundamos momentaneamente.
Como apreciador dos artigos de Tiburi na Cult, penso que ela calculou mal. E desnecessariamente. Se quisesse filosofar, em livro, para um público não necessariamente de filósofos, bastaria manter o tom de seus artigos da revista. Não adianta querer ir muito além disso, ou se corre risco de não alcançar ninguém.