Por Whisner Fraga e Ronaldo Cagiano
Não é de agora, temos notado que a crítica literária em nosso país anda esquálida, padecendo de certa anemia conceitual e laborando em arriscada falta de embasamento, muitas vezes perdida entre a erudição caquética e considerações biliares. Alguns optam pela provocação gratuita (e até mesmo iconoclasta) para chamar a atenção, em lugar de promover um debate de nível, verdadeiramente dialético e respeitoso, o que recomenda à discussão (da qual, infelizmente, carecemos atualmente e que é fundamental para aprofundar não julgamentos insossos, mas criar alternativas para a compreensão da produção intelectual brasileira). Fora disso, ela não se sustenta, senão provoca arrepios, resvala para a arrogância intelectualóide (e não raras vezes histérica) e não atesta a qualidade dos propositores, que se envolvem em acalorados bate-bocas, motivados tão-somente pelo gosto pessoal, sem qualquer vínculo com a verdade ou razões estéticas.
Queremos nos referir ao articulista Paulo Polzonoff, como parte de uma confraria de resenhistas e ressaltar que suas resenhas publicadas no jornal Rascunho têm contribuído com o nosso descontentamento, e por que não dizer: com a nossa descrença na existência de uma crítica contemporânea altiva e isenta. A sua falta de método para julgar um autor (ou uma obra) é desalentadora. Mais: é um atentado à boa fé do leitor/escritor, para não dizer uma afronta ao ser humano.
Se queremos entender os mecanismos que levam um crítico a taxar uma obra de boa ou ruim, certamente não será pelos critérios pessoais e apaixonados do sr. Polzonoff.
O resenhista vem colocando (sem o menor critério investigativo ou científico que uma obra deve merecer) no mesmo balaio de gatos literários Marcelo Mirisola, Clarah Averbuck e Fernanda Young. A incoerência misturada à inocência leva o sr. Polzonoff a cometer lamentáveis enganos de percepção. Não que Averbuck ou Young representem o supra-sumo de uma vanguarda muito elogiada no eixo Rio-SP. Não nos consta que tenham escrito algo representativo. Daí, cair na esparrela de inseri-los num mesmo “movimento literário”, apenas porque foram influenciados por Bukowski e Fante, é incorrer em erro primário, é desviar o foco para a simplificação.
O sr. Paulo Polzonoff Jr., com sua matéria sobre o desconhecido Alexandre Soares Silva (Ironia e cinismo em estado bruto), publicada na edição de abril do Rascunho, consegue tirar do sério até mesmo um monge de pedra do Tibet, quanto mais esses pobres mortais, que se sentiram alvejados e chateados pelas incontáveis impropriedades que o crítico paranaense tem tentado nos empurrar goela abaixo, com suas considerações (embora talentosas, contundentes e apaixonadas), na maioria das vezes inconsistentes, e em certos momentos deixando transparecer o vezo de querela pessoal.
Prudentemente, adverte ao leitor que empregará uma palavra perigosa para designar o tal Alexandre: humildade. Deveria ter deixado de usá-la, realmente, pois ela não se aplica ao Soares em nenhum de seus sentidos, nem àqueles que o sr. Polzonoff quis impingir ao termo. Leitor de Tostoi e Dostoievski, não se acha intelectual. Ouve Schubert e não é intelectual. Está certo, mas se passar por franciscano num mundo cheio de arrogância e beletrismo é querer tapar o sol com a peneira.
A falta de critério de Polzonoff começa na escolha do novo livro que será alvo de sua geralmente mordaz e inclemente tecla de computador. Elogia Alexandre por ter usado os Blogs (o encontro do crítico e do escritor aconteceu na internet) como meio de divulgação de seu trabalho e desce a lenha em Averbuck, que utilizou o mesmo meio (com muito mais sucesso) para aliciar seus fãs.
Vamos adiante. O sr. Alexandre é humilde, correto? Em sua entrevista, revela: “Quero ser bom, quero escrever bem, quero escrever melhor do que todo mundo”. Até aí, tudo bem. Qualquer um pode desejar ser tudo: de Paulo Coelho a Machado de Assis, de Leandro & Leonardo a Mozart. Jamais deixaríamos de ler alguém que afirmasse querer escrever bem, mas melhor do que todo mundo? Puro requinte de arrogância. Aliás, é obrigação de qualquer escritor escrever bem, sob pena de ser esquecido, e também em respeito ao seu público ou a ele próprio. Mas desejar ser melhor que A ou B, é puro exercício de diletantismo e petulância. Entretanto, essas são vaidades maiores e, portanto, aprovadas pelo sr. Polzonoff. Menores são outras (conseqüentemente reprováveis), por exemplo, certa tietagem, como professa o polemista do Rascunho. Eis o que diz o seu colega de ofício, Alexandre: “ter fãs, sim, não seria mal”. E agora? Reunidas algumas impróprias colocações do aguerrido Polzonoff, passemos às ditas pelo escritor Alexandre Soares Silva.
A certa altura de sua entrevista, o escritor sentencia: “Desprezo o tema da violência urbana”. Como pode um escritor desprezar um tema, se atitudes como essa (Omissão? Indiferença? Negligência?) são responsáveis pelo recrudescimento da própria violência e a banalização da vida e da morte? Tudo bem que não goste deste ou daquele assunto, mas desprezo? Vá lá, despreze, é humano, mas por quê? Talvez jamais venhamos a saber. Os novos escritores e suas frases-prontas, frases de efeito, revelam o aspecto mais cruel da literatura que se pratica hoje no Brasil: a ausência de bom senso e a incompetência criativa aliadas a um descompromisso social. Não que o escritor tenha de fazer literatura apologética, levantar bandeiras o tempo todo, mas tomar posição contra o que mais nos agride. (Palmas para o sr. José Saramago, que, não obstante nosso apoio à histórica resistência cubana, condenou os excessos de Fidel ao eliminar, recentemente, uns pobres coitados ladrões de lancha que tentavam fugir para o “paraíso” de Miami). Isto, sim, é coerência intelectual, social e política.
Depois atesta que “o humor é mais difícil que a seriedade”, uma frase típica de uspianos ensimesmados e certos de sua hegemonia intelectual e do monopólio cultural que pretensamente querem impor ao Brasil. Será que a poética de Aristóteles enfureceu tanto os humoristas para viverem a dizer agora que a comédia é superior à tragédia? Um sujeito que elogia Millôr e não gosta de Luis Fernando Verissimo, parece o mesmo do “crente” que adora Jesus e detesta Deus. Um como o outro sempre usaram o humor como forma de resistir, ainda que, para muitos, humorismo possa parecer uma forma literária de resistência e libelo.
Só para finalizar, outra frase do Alexandre: “Como eu queria que Guimarães Rosa não tivesse desperdiçado seu gênio com matutos”. Então ficamos sabendo que Rosa “desperdiçou” seu gênio. Com matutos. Prefere o sr. Alexandre que o escritor desvie sua rota de representação da realidade, para pensar com os olhos em Ipanema, na Avenida Paulista ou em Nova York e Londres? Deus… Como adoram dizer, esses novos escritores, que detestam Machado, Clarice, Rosa. Será que Alexandre leu mesmo Tolstoi? Parece que não: senão teria aprendido que para ser universal é preciso cantar o nosso quintal.
Nada como uma crítica lúcida, como a que vem sendo feita por José Castello. No mesmo número do Rascunho, ele se manifesta contra o abaixo-assinado veiculado na internet e que diz respeito à resenha sobre o Uchoa Leite, publicada mês passado, utilizando um argumento forte, dizendo não compactuar com “o hábito de responder idéias com manifestos”. É dessa lucidez e espírito analítico que a literatura brasileira carece, para ser colocada em um patamar que lhe é devido.
(Os autores gostariam de agradecer a Simone Dallier, pelas valiosas sugestões, que tornaram este artigo um tanto mais preciso).