Para libertar a nação

Douglas Diegues manda seu poético recado em portunhol
Douglas Diegues: “Sabedoria bocê non puedecomprar, ni puede bender. Conhecimento bocê pode falsificar y bender a losmenos avisados”
01/10/2003

Douglas Diegues vive e escreve na fronteira. Baseado na fronteiriça Ponta Porã (MS), ele escreve sonetos em portunhol. Mas nem sempre foi assim. Este carioca rodou muito antes de descobrir tal possibilidade de linguagem. Tentou muito. Produziu mais de 300 mil sonetos em português. Um dia, o acaso lhe apresentou o Mar paraguayo, de Wilson Bueno. A partir daí, a mestiçagem do idioma se revela possível.

Diegues é, antes de mais nada, um artista que acredita naquilo que escreve. E seus versos são permeados de muita força, força esta que ele acredita ser motor para mudar o mundo. Isto está cada vez mais seduzindo leitores atentos em todo o País, e até no exterior. Recentemente, 30 sonetos salvajes foram cuidadosamente selecionados pela editora curitibana Travessa dos Editores, o que resultou no livro Dá gusto andar desnudo por estas selvas — sonetos salvajes.

Ao lançar o livro em Curitiba, Douglas Diegues concedeu esta entrevista que, possivelmente, deve ser a primeira em portunhol do mundo.

• Você está apresentando sonetos em portunhol. Há motivos que justifiquem isto?
Cresci entre la bosta misma de las lenguas que habitam en la fronteira, asaber, el guarani, el português, el espanhol, el árabe, el chinês, el japonês, el coreano. Mi abuelo era un mercador espanhol. Veio fugindo, veiofugindo de la guerra cibil espanhola, e pará aqui. Tenê­a una loja en elcentro mismo de la frontera. En la rebolución del 47, eu ainda non tinhanascido, eles moraban no lado paraguaio de la frontera, la loja de mi abuelofue saqueada. Los chongos saé­am com dez relógios em cada pulso, cinco calásem cada cuerpo, tecidos finos e otras mercaderias que saqueabam. Com lasmercadorias que habá­a escondido en el forro de la loja, mi abuelo fugiu prolado brasilero. Quando naci, mi abuelo ya moraba en el lado brasilero. De unlado habi­a una loja de um comerciante árabe. Del outro, estaba la merceariaSano, de unos japoneses. Mi mamã falava guarani com la empregada. Mi abuelonon entendia porra ninguna e acho que ficava meio puto com eso. Estabasiempre desconfiado. Ele só falaba espanhol e portunhol. Mi mamã sim falavaguarani, guaranhol y portunhol. La empregada tambiem. Eles falavam comigo, yoles respondia em português, el português que yo empezaba a aprender en lascalles de la frontera y en la Escola Batista… Y fui crescendo entre essaslengoas. Depois está aquella história de los 300 mil poemas que escribi ydestrui com fuego, porque meu português literário era impostado, parecia lacosa mas falsa del mundo, porque en aquel tiempo solo mi silâncio no eraimpostado, solo mi silâncio era verdadero. Um dia, comecei a escribirsonetos en portunhol. Já habi­a escrito cartas usando el portunhol. Peronunca sonetos. Entonces comecei a fazer unos sonetos em portunhol. Envieiuna amostra al poeta Glauco Mattoso, que es un poeta que ademais de ser umbom poeta, sabe de las cosas, talvez sea el cara que mais entenda de sonetosen este pais o quizais en el mundo… Mandei tambiém a Jose Kozer y a Heriberto Yépez. Todos ellos me enviaran respuestas entusiasmadas, Glauco incluso los enfiouen su Sonetário Brasileiro, onde fueron publicados al lado de otros boludos mitológicos de la poesia brasileira — lo que, por supuesto, me deixou muy feliz.

• O fogo é algo constante em seus poemas, a exemplo de “confia en elfogo de la palabra”. O que o fogo representa para você e qual é a importância do fogo dentro de sua linguagem poética?
El fogo es algo que se confunde com los orígenes del mundo. El fogo hace parte de la magia simpática de la vida. Com el fogo bocê puede crear e destruir coisas, crear ou solucionar problemas, incendiar la lógica aristotélica y las outras lógicas. Gosto de escribir com fogo. Pero tambiem gosto de escrever com água, com piedra, com vento, com ferro, com árbol, com flores. Com el fogo bocê pode desdizer melhor las coisas. Com el fogo bocê puede quemar las certezas de papel. Cuando un índio guarani autêntico dice su ñemboe-purahei, seucanto-rezado, é como se soltasse fuego de orballo por la boca. No primeiro Encuentro Internacional de Poesia organizado por Jorge Montesino, Sonia Tiranti, Marcelo Leites, e por mim, na capital paraguaya, inserimos as poéticas indígenas como tema de reflexão, e um importante poeta fez una conferência sobre la poética guarani. En aquella noche paraguaia, subversiva, quente y jasmim a una sola vez, este poeta nos contou que, para um guarani realizar-se, era realizar-se mediante la palavra, realizar en la palavra, en el canto, en las palabras que de la boca se abrem como flor. En el mito de Capitão Chiku se puede leer que cuando Chiku chega a la perfeccion, a la perfeccion de seu dizer, é comenza a sudar orballo, sus palabras son comofogo de orballo, Chiku supera a morte e sobe al cielo cantando palavras dellamas de orballo.

• Você insiste na diferença entre inteligência e sabedoria, preferindo a última: “bocês posan de crítico, escritor, professor, profesional de lasletras, verdadeiros poetas,/ pero no aprenderam ainda como se pela unasimples pêra”. Isto é reflexo de sua experiência tanto com intelectuais quanto com os índios?
Conhecimento bate en la parede y volta. Sabedoria atravessa la parede como viento. Conhecimento faz pose de artista. Sabedoria, como aquel menino que carregava água en la peneira do Manoel deBarros, faz la pedra dar flor. Conhecimento bocê pode comprar en los libros, en las universidades, en las palestras del tal Arnaldo Jabor en la cidademorena (Campo Grande, MS) a 50 reais el ingresso. Sabedoria bocê non puedecomprar, ni puede bender. Conhecimento bocê pode falsificar y bender a losmenos avisados. Sabedoria es como el vento: ninguém consigue falsificar. Conhecimento viene de las leituras. Sabedoria viene de la vivência. Haymuchos intelectuales, poetas, artistas etc., que posam de sábios, pero quenon sabem como descascar una simples pêra y partirla en 16 pedazos y por elaen um plato y despues servirla a los amigos. Hay intelectuales que nonconseguem distinguir eso, sabedoria de conocimiento. No entanto hay unoslixeiros en la frontera que no tienen dificuldade para distinguir eso.

• Parece que o presente foi extinto. Agora, todos só pensam no minuto seguinte, num futuro que nunca chega. Não é necessário ler Cosmópolis, do Don Dellilo, para chegar a tal constatação. Basta ler a vida. Você parece ser um artista, uma pessoa antes de mais nada, em busca da recuperação do presente e de seus rituais. É isto mesmo?
Las cosas que fazemos durante un dia es una seqüência de rituales. Beber um copo de água pode serum ritual. Dar bom dia es un ritual. Respirar é un ritual. El futuro esagora. El manhana es sempre hoje. Se bocê non plantar nada hoje, bocê non vaicolher porra ninguna amanhã, essa es la lei de la vida. Bibir el hoje es umaexperiência ritual. Decir poemas pode ser um ritual encantatório. Non sedeixa nada para manhana em mis sonetos salvajes. En el mundo urbano, ladimensão ritual de la experiência se banalizou. Las personas parecem nonsaber lo que fazem en este mundo. Unos querem diplomas. Crêem que cuandotiberem diploma, conseguirãn emprego fácil, ficarãn ricos, e podrãn realizartodos sus sonhos-rituales de consumo. Non sabem lo que querem de la vidaporque querem e non querem lo que lhes ensenharam a querer. Porque el jogofaliu. Y es necesário inventar todo outra vez. Es necessário empezar ainventar los países nobamente com el fuego de la palavra. Dar nuebo sentidoal mundo. Inbentar um mundo sin fins lucrativos…

• Em um poema sugere ao leitor que ele mesmo faça a própria antologia. E, você Douglas Diegues: quem você incluiria em sua antologia? E quem você excluiria?
Incluiria toda la tribo de los experimentales. Excluiria los impostorescom sus bozes impostadas. Incluiria los que acreditam en el fogo de lapalavra y excluiria a los que non acreditam mais em nada. Incluiria los queescriben com sangue, con bosta, con água vaginal, con viento, com locura, com esperma. Excluiria la inteligência burra acadêmica y pedante. Incluiria a los que acham que la história ainda non acabou. Excluiria a losque acham que a história acabou. Incluiria los que têm algo novo a nos dizer e fazem questão de ser eles mesmos. Excluiria a los que não têm nada de novo a dizer e ficam querendo ser os novos Carlosdrummmonddeandrades, os novosJoãocabraisdemeloenetos, os novos Haroldodecampos, os novos Manoéisdebarros…

• “Tudo pode caber num mísero soneto”. E no seu soneto, o que cabe? E o que não cabe?
Cabe el mistério de la experiência de la alegria y deldolor humanos. Cabe la horrorosa belleza del mondo. Cabem todas las lengo as que habitan en la frontera. Cabe la generosidade del cãu y de la terra, quenon se pode ver, porque non tem forma, ni existe para si misma, mas para quelos outros possam existir. Cabe la neblina vivificante queinfunde vida y vigor a todos los seres al final de la primabera.

• Quais foram os autores decisivos em sua vida?
Manoel de Barros, Sergio Rubens Sossélla, Jamil Snege, Wilson Bueno, Ademir Assunção, Luis Antônio de Figueiredo, Rodrigo Garcia Lopes, Roberto Malatesta, Marcos Losnak, Sylvio Back, Sérgio Medeiros, Walther Castelli, Marco Lucchesi, José Castello, Elio Vitorini, Valêncio Xavier, Dalton Trevisan, Shakespeare, Julio Cortázar, Lezama Lima, Nestor Perlongher, Reynaldo Jimenez, Jorge Luís Borges, Lewis Carroll, Augusto de Campos, Antonin Artaud, Jussara Salazar, Haroldo de Campos, Claudio Daniel, Dora Ribeiro, Heriberto Yépez, Glauco Mattoso, Fábio Campana, Jorge Montesino, Marcelo Leites, Décio Pignatari, Jorge Kanese, Luis Bareiro, Josely Vianna Baptista, Paulo Leminski, Itamar Assumpção, Hesíodo, Alice Ruiz, Homero, Tetê Espíndola, Jovino Machado, Bezerra da Silva y todos los sambistas radicales du Brasil, incluindo en la lista los que non tive tempo ainda de conocer, todos los índios del Paraguay y sus mitologias, Santiago Vega, Ezra Pound, José Paulo Paes, John Lennon, John Cage, João Gilberto, Chico Buarque, Caetano Veloso, Arrigo Barnabé, Gilberto Gil, Racionais MC’S; la lista es longa, parece no tener más fim…

• Você tem o que dizer em sua poesia. Não se sente só em meio a uma porção de beletristas e falsificadores, impostores?
Me siento aveces como un índio de ninguna parte. Un índio en busca de la tierra semmal. La tierra de ninguém. Porque solamente una terra que es de ninguémpuede ser la tierra de todos. Non agüento mais ouvir bellos discursos sobrelo que quer que seja. Cago y ando para los impostores, seam eles de lapolítica, de la literatura, de las artes em general, enfim, de la culturabrasileira y paraguaya al mismo tempo, cago y ando solenemente para todosellos. Non preciso de ellos pra fazer mis sonetos salvajes. Se perde muitotiempo com bellos discursos en este país. Con seminários. Con esseentediante bla-bla-bla que parece que non tem mais fim. Para quê? Para nonse fazer porra ninguna depois? Se faz muito pouco e se conta muita vantagemen este Brasil vil viril vendido y varonil. Es el lado bacharel, impostor, impostado que quase sempre conbence y vence. Oswald já havia cantado lapelota. Aqui tenemos até beletrismo de banguarda… Hay mucha falsificaciónde banguarda também. El sujeito que fica famoso, se vuelve un nombre quebende (como dicem los chongos de la publicidad), y se cre en el direito depublicar bobagens, porque su nombre bende, y los otários compram… Porquequé seria de los espertos sin la existência de los otários?

•`Quais são os próximos passos de Douglas Diegues?
Acabamos de reciber um prêmio Fundo de Investimentos Culturais do Estado de Mato Grosso do Sul), yo y la jornalista y escritora Cristina Livramento, para fazer una rebista de poesia llamada Ontem choveu no futuro. Pretendo publicar ainda en este ano, em parceria com elantropólogo y etnomusicólogo Guillermo Sequera, el libro Cosmofonia mbyá-guarani, um livro-cd com cantos y música y estudios sobre la poética yla música de los mbyá-guarani, etnias que integra la família lingüísticaguarani-tupi. Esa obra tambien recebió prêmio del FIC/MS, y será publicadaem parceria com la Travessa dos Editores, de Curitiba, de mi más nuebo amigo de infância, Fábio Campana. Estoy encantado por la posibilidad de publicarcosas en Travessa dos Editores, com quem quiero editar una colección detextos indígenas. Quero também adaptar la obra de Manoel de Barros para el Teatro-Danza, eso em parceria com outro querido amigo, Wal Mayans, que es elmejor actor-bailarin paraguayo en actividad en el continente. Com Wal sonhamos siempre alto. Queremos enlouquecer el trópico sul com teatro-dança, teatro de rua, teatro de muñecos gigantes, y outros planos… Pensamos em crear también el Centro Cultural Tierra Sin Mal, ele,yo y o Axel Giudice, que es uno de los melhores violonistas em atividade neste país, morando atualmente en Paraty, mas ainda quase totalmentedesconhecido por aqui. Será um Centro Cultural livre de formaçãotécnica-científica para artistas em geral, poetas, músicos, atores ebailarinos etc. El trabajo de Wal es muy bueno. Queremosdeselitizar la danza, la poesia, el teatro, debolber sentido a las ruas comla forza encantatória de la dança-poesia. Queremos desenvolver práticas deintegración intercultural entre o Brasil e o Paraguai y el resto del mundomás allá de los bellos discursos. Precisamos apostar más en la loucuracreativa brasileira. Precisamos salir de esa situación brochante. Más quedinero falta buena vontade. Empresários y artistas deveriam se unir mais alfogo del teatro y de la poesia para salvarem el Brasil del atraso, de laburrice, de la banalidad de la violência, de la miséria mental. Non adiantaapenas combater la fome. Deve-se combatir la burrice en primer lugar. Como? Investindo pesado en desenbolvimento cultural del país. Estimulando esedesenbolbimento. Solamente la sabiduria poética de la vida puede salbar u Brasil y u Paraguay de la fome y de la miséria mental. Onde houver misériamental haverá fome. Es necessário combatir la miséria mental. Quiero pensargrande. Non quero ficar pensando solamente em mim. Cago e ando pro sucesso.Es preciso enloquecer más u Brasil…

Dois poemas inéditos de Douglas Diegues

belleza pública bersus belleza íntima
belleza bisíble bersus beleza que ninguém bê
belleza dolarizada bersus belleza gratuita
belleza cozida bersus belleza frita

belleza antiga bersus belleza nova
belleza viva bersus belleza morta
belleza com graça versus beleza sem graça
beleza em berso y em prosa

belleza salvaje bersus belleza civilizada
belleza de dentro bersus belleza de fora
belleza rápida bersus belleza que demora
belleza simples bersus belleza complicada

quase ninguém consigue mais ber la belleza invisible
este mundo está ficando cada bez maishorrible

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lo que bocês puedem falar de la merda?
conhecem la mierda?
já dormiram en la mierda?
já despertaram sofocados por la merda?

o que bocês entienden por mierda?
e por mijo y sangue
en el hueco de la noite longa e langue?
quê fazer cuando las certezas ficam inciertas?

los que passaram fome
puedem falar de la fome
los que posam de mierda
nada sabem de la mierda

só los que en la mierda cresceram
sabem de la mierda lo que los outros nunca souberam

Dá gusto andar desnudo por estas selvas — sonetos salvajes
Douglas Diegues
Travessa dos Editores
43 págs.
Marcio Renato dos Santos

É jornalista e escritor. Autor de Minda-Au e Mais laiquis, entre outros.

Rascunho