Leve a sério este Primeiro de Abril. O segundo livro de poesias deste carioca com menos de 30 anos de idade é uma pancada para quem está acostumado com leituras lineares. Claro que a essência transgressora da poesia está ali com todas as letras… ou não: é da natureza. As formalidades acadêmicas são “desvirtuadas” ou simplesmente esquecidas, abandonadas em várias passagens, mas esta não me parece a preocupação central do autor nem o maior mérito dele, que usa e abusa das suas prerrogativas de poeta e nos põe de ponta-cabeça. Críticos e leitores “tradicionalistas” não vão gostar. Leitores iniciantes também não. É possível que nem iniciados suportem o “descompromisso formal” de André Luiz e mandem às favas este “livrinho” pretensioso. Eu cá, do alto da minha ignorância, percebo uma visão de mundo irônica, própria dos grandes autores. Ele sodomiza a poesia em nome desta visão questionadora, debocha das “verdades” estabelecidas, se contradiz, enfim, faz o seu trabalho direitinho. As incoerências que ele comete comprovam a sua visão afinadíssima com este mundo, que insiste em construir estradas para subtrair das pessoas a liberdade de fazer o próprio caminho durante a caminhada. “Que importa/ sangrar do mesmo/ destino,/ berne ou raiz?/ Do extraviado olhar/ a essência me cai bem/ desertor/ Fico na escuta/ Sem metáforas/ de plantão/ Um cão morde a isca/ Agora é infalível.” André Luiz Pinto nos corta as asas para que voemos mais alto e para que o nosso vôo tinja o céu de vermelho. É o texto elaborado com gosto marcante, mas indigesto e quem conseguir experimentá-lo ficará com o hálito desta cebola-poética que nos arde os olhos. As imagens acentuam este conflito e nos levam a um exercício intelectual único. Analisando o contexto e a condução da obra de André Luiz fica uma pergunta: como a poesia pode ser fácil e verdadeira dentro da real dimensão humana? Lembrei-me da bruxa malvada do leste, personagem de O mágico de Oz, depois de querer destruir Doroty, Totó, Homem de lata, Leão e o Espantalho, ela grita em seu momento derradeiro: “mas que mundo, mas que mundo!!!” Parece brincadeira, mas André Luiz é a bruxa inconformada com o mundo de OZ, ou seja: Primeiro de Abril!
Olhai os atropelados da esquina.
Eles não colhem nem ceifam;
Ainda te achais melhor do que eles?
Viajemos profundo. O corpo carrega a alma,
que surdamente desfalece e o abandona.
Os atropelados da esquina irão para os hospitais.
Lá dormitam anjos de branco
e um suor amargo permeia toda gravidade.
Os atropelados são atendidos, porém há tantos.
Souza Aguiar, Salgado Filho, Miguel Couto.
Bendito sejas anjo de branco.
Bendito o vosso fruto que os repartem,
que me corta em fatias. Algumas sobrevivem,
outras estarão em vidros de formol e estudo.
Bendito sejas onde tudo é permitido.
Só o corpo não permite sua salvação,
e a vida se dá por um fio, por uma gota.
Da veia, exige todo o transporte.
Teu fígado é corrosivo. Teu rim é ácido.
Há tendências de secura e afastamento.
Os atropelados da esquina sorriem
dormem diante um sono tranqüilo, sem atropelados.
Lá estarão melhor.
Os atropelados são homens, lírios.
Brotam no meio do asfalto
onde toda a velocidade
retira-lhe as pétalas.
(IV, 1; p. 43).