Miguel Sanches Neto é um dos melhores críticos da atualidade, posição que conquistou com o seu trabalho na Gazeta do Povo, de Curitiba, e na revista Bravo, de São Paulo. Trata-se de um crítico exigente que opina sobre escritores novos e veteranos com acuidade, equilíbrio e excelente senso analítico. Atualmente, é Diretor da Imprensa Oficial do Paraná, pela qual vem publicando obras de inegável qualidade literária.
Além de crítico e ensaísta, autor de um livro de ensaios sobre escritores gaúchos, intitulado Entre dois tempos (1999), Miguel Sanches Neto é também poeta. No seu livro mais recente, Venho de um país obscuro, ele funde memória e lirismo em poemas consistentes que tocam a sensibilidade e levam à reflexão sobre a vida e o país. Trata-se de uma poesia que não se contenta com meros fraseados e exercícios formais. Sua matéria é a vida real, a experiência da vida e da aprendizagem, como processo de formação, autoconhecimento e superação dos limites.
Em geral, o autor traduz em versos livres, com boas passagens de prosa poética, aspectos marcante de sua trajetória de vida, tendo como pano de fundo a realidade de uma família humilde vivendo em meio às agruras da difícil sobrevivência, num país dominado pelo autoritarismo. O traço biográfico é o húmus de sua poesia, mas sua raiz é o lirismo crítico e doído dos que venceram, mas não escondem suas lutas, suas dores e suas cicatrizes.
Nascido em 1965, Miguel cresceu sob os limites e as mordaças do regime militar, do qual a lembrança da escola rígida e repressora ficou como emblema. Sua poesia testemunha o peso do momento sobre a formação e a memória de toda uma geração. Os seus poemas transbordam do campo estritamente literário e se constituem também como depoimento de uma geração que, tendo crescido sob a ditadura, nem por isso deixou de adquirir uma consciência crítica acerca do país que recebeu, com suas tristes heranças. O poeta declara: “Venho de um país obscuro,/ de uma infância repleta de muros” e representa, através de imagens verossímeis, sóbrias, realistas, a verdade de suas vivências, a clareza de seu sentimento diante das lembranças, num discurso ora amargo, ora indignado, que ele exprime “mordendo o próprio dente, / com raiva e ruidosamente”.
O poeta traduz em poesia uma experiência de vida semelhante a de tantos brasileiros como ele. Vidas que, à margem das considerações sociológicas e históricas em geral, transitam de sua condição empírica desconsiderada para uma representação que a resgata da obscuridade. O locus experiencial do sujeito lírico é um país obscuro, ausente dos compêndios, mas de uma gritante realidade à flor da vida. Um país que grita no presente, com suas tensões sociais, e que não se pode calar. Por isso, o poeta diz: “O que fui em menino/ é hoje um baú lacrado / que, alheio à minha história, / tenho como inquilino.// Em vão tentam arrombá-lo / as raízes da memória”.
Num momento em que muito da poesia publicada não passa de exercícios imagéticos e formais desconectados das realidades vividas individual ou coletivamente, Miguel Sanches Neto revigora a poética das vivências que Drummond consagrou em Boitempo I e Boitempo II. Uma poesia quase depoimento, que tem a marca da experiência, das coisas e situações vividas. E Miguel faz isso muito bem, sem cair em confessionalismos ingênuos ou saudades fingidas. Seu forte é a sobriedade das imagens, que fluem com ritmo e cadência, o que dá qualidade lírica às passagens de prosa. Sua obra é uma contribuição relevante, pela linguagem simples e vigorosa e pela temática pessoal que ressoa no coletivo. Este poeta faz parte de uma geração que vem conquistando, com justiça, lugar e voz no panorama literário contemporâneo.