Muito se disse, escreveu, filmou e exibiu sobre o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. A maior parte do material gerado sobre a tragédia das torres não passou de explicações superficiais ou de produtos oportunistas sobre o assunto que mais chocou o mundo neste século. O principal defeito dos explicadores ou produtores que versaram sobre o atentado foi justamente concentrar seus esforços apenas no ataque às torres ou após ele. Poucos se preocuparam sobre o antes, raros tentaram entender o porquê do atentado.
Quase seis anos depois, o jornalista americano Lawrence Wright apresenta o trabalho mais consistente sobre o assunto, o livro O vulto das torres: A Al-Qaeda e o caminho até o 11/9. Durante cinco anos, Wright mergulhou num profundo trabalho jornalístico, com pesquisas nos Estados Unidos, África, Europa e Oriente Médio e 562 entrevistas, que culminaram numa reportagem esclarecedora e histórica sobre o fundamentalismo religioso de Osama bin Laden e da Al-Qaeda, que resultaram no 11 de setembro, bem como sobre a burocracia da CIA e do FBI, que possibilitou o sucesso do ataque.
Wright mostra que a ideologia que levou ao atentado tem raízes no próprio país norte-americano, 50 anos antes, quando o intelectual muçulmano Sayyid Qutb morou nos Estados Unidos. Qutb voltou para casa, no Egito, convicto de que as liberdades e os costumes do ocidente eram uma ameaça aos preceitos islâmicos. Ele escreveu livros e ensaios em que já apontava os Estados Unidos como futuro adversário. Sayyid Qutb influenciou líderes islâmicos em todo o Oriente Médio, entre eles Osama bin Laden, filho de um bilionário empreiteiro da Arábia Saudita.
A história da família Bin Laden não é só de radicalismo e violência. Antes disso, houve a saga do pai de Osama, um humilde construtor civil que conquistou a riqueza por suas habilidades profissionais. Osama foi apenas um dos 54 filhos que seu pai teve com 25 mulheres, mas apenas quatro esposas de cada vez, como permite o islamismo. Quando separou-se da mãe de Osama, Bin Laden pai a “entregou” para ser cônjuge de um diretor de sua empreiteira, uma tradição na época para assegurar o futuro da ex-mulher.
Osama tinha cinco anos quando houve a separação dos pais, mas continuou com direitos sobre a riqueza da família. Diferentemente dos irmãos, ele abdicou de fazer carreira nas empresas Bin Laden e interessou-se por política e religião, passando a freqüentar grupos de resgate da tradição islâmica existentes em vários países do Oriente Médio. Osama acabou fundando seu próprio grupo, de fundamentalismo extremo, e que também tinha como lema principal o ódio aos Estados Unidos por sua interferência em favor de Israel na questão palestina.
Obviamente Osama bin Laden teria de ser um dos protagonistas de O vulto das torres. O ponto forte do livro, entretanto, é que Wright conseguiu encontrar um espelho para Bin Laden no lado americano. O agente do FBI John O’Neill serve de contraponto para Osama, pois quase dez anos antes do 11 de setembro ele percebe que a Al-Qaeda era a ameaça no horizonte. O’Neill vira protagonista pela luta para tentar convencer seus superiores de que Osama bin Laden tinha de ser detido, isso desde 1993, quando uma bomba explodiu no subsolo do World Trade Center, conjunto de cinco prédios em Nova York que abrigava também as Torres Gêmeas.
Lawrence Wright percebeu ainda em O’Neill um homem ambicioso, com uma vida pessoal conturbada, um personagem forte para dividir com Osama bin Laden a trama do livro. Com o vigor destes dois protagonistas, Wright transformou esta reportagem num grande romance não-fictício, sem prejuízo aos dados históricos. Pelo contrário, a história até enriquece o romance, pois O’Neill aposentou-se do FBI vinte dias antes do 11 de setembro. Uma semana antes do atentado, ele assumia seu novo posto, na iniciativa privada, como chefe de segurança do World Trade Center. No momento do atentado, O’Neil estava em seu escritório, no 34o andar da torre norte das Twin Towers, 58 andares abaixo de onde o primeiro avião bateu.
Cruzada fundamentalista
Coincidências à parte, Wright consegue mostrar em O vulto das torres como nasceu o fundamentalismo islâmico, como surgiu a Al-Qaeda e como Osama bin Laden tornou-se o líder máximo do terrorismo no Oriente Médio, sem necessariamente contar com apoio da população ou dos governos dos países árabes. Bin Laden teve parcerias ocasionais na Arábia Saudita, no Iraque, no Iêmen, no Sudão e no Afeganistão, mas apenas por interesses passageiros destes países, principalmente na batalha contra a União Soviética no Afeganistão, onde teve também auxílio americano. Osama usou estes apoios eventuais para fortalecer seu grupo e sua influência sobre os islâmicos mais radicais, formando uma organização paraestatal que escapou ao controle dos governantes árabes. É a partir daí que ele inicia sua cruzada para tentar tornar o fundamentalismo uma força no Oriente Médio e também para destruir os Estados Unidos, como ele acredita ser possível.
De O vulto das torres, deduz-se que Osama bin Laden é um homem capaz de tudo, mas que só conseguiu chegar às Torres Gêmeas porque os americanos o menosprezaram. Com um simples encontro de informações entre o FBI e a CIA, os Estados Unidos teriam evitado a tragédia. As duas organizações tinham investigações suficientes para concluir que os terroristas de Bin Laden estavam em solo americano fazendo escola de pilotagem e planejando um ataque. Acontece que esta conclusão só era possível se as informações fossem reunidas num pacote, mas havia um muro entre as duas instituições. A CIA, serviço secreto, é responsável por investigações fora dos Estados Unidos. O FBI, a polícia federal, é quem age em solo americano. O fato é que existe rivalidade e animosidade entre ambos, e graças a isso Osama bin Laden conseguiu que seus homens morassem mais de um ano nos Estados Unidos antes de seqüestrar os aviões. Existe até uma expressão na CIA para quando se decide dividir alguma informação com o FBI para que os policiais federais possam agir: jogar o assunto por cima do muro. Em contrapartida, no FBI, quando seus agentes ligam para a CIA em busca de dados e recebem um não como resposta, eles colocam para tocar ao telefone a música Another brick in the wall (Outro tijolo no muro), de Pink Floyd.
Quase seis anos depois do 11 de setembro, Lawrence Wright nos entrega um grande livro, bem escrito, repleto de informação, drama e tensão. O ideal é que seja lido por todas as autoridades americanas, pois sua mensagem mais clara é que Osama bin Laden não vai parar tão cedo. Está apenas esperando o momento certo para mais um grande ataque. E se houver outro tijolo no muro entre CIA e FBI, a Al-Qaeda será bem-sucedida.