Num dos eventos da última Bienal do Livro do Rio de Janeiro, Ivana Arruda Leite fez uma divertida revelação ao comentar seu recém-lançado Ao homem que não me quis: se não parasse de mexer nos 18 contos, apressando-se em publicá-los, corria o risco de o livro sumir, tão inclemente ela consegue ser na poda. Brincou ainda com a estupefação de alguns amigos que, conhecendo de antemão as histórias, identificaram na coletânea romances inteiros transmudados milagrosamente em minicontos. Exageros à parte, ela sabe como poucos o quanto pode crescer o texto limado em seus excessos, e, no sentido contrário, o quanto a literatura perde com o supérfluo. Não hesita, pois, em cortar a própria carne, por mais doloroso que possa se tornar esse exercício. O que fica é nada menos que o essencial.
Paulista de Araçatuba, Ivana começou a publicar em 1997, já ultrapassada a barreira mítica dos 40 anos. Ao conto dedicou três dos quatro volumes anteriores ao seu Homem, apelido carinhoso que o livro ganhou da autora. (A exceção é um título infanto-juvenil.) A busca da concisão levou-a sempre ao texto curto, às vezes de única página, e ela agora radicaliza nessa direção ao apresentar 15 minicontos na primeira parte da coletânea; neles está o melhor da nova obra.
O miniconto se configura sempre um desafio ao escritor. Como acontece com qualquer congênere, ele não prescinde de uma história que tenha estranheza, um final surpreendente ou que pelo menos provoque inquietação, tudo isso com tal economia de recursos que uma simples vírgula passa a fazer diferença. O subtexto, obviamente, é levado às últimas conseqüências, o que exige uma participação maior do leitor. A tendência de vários autores ao tentar o miniconto é ceder ora ao anedótico, ora à poesia. Isso não ocorre com Ivana. Conhecendo muito bem as sutilezas do gênero, ela compõe pequenas pérolas como Gilda, Natureza morta, Raquel Hannerman e A verdadeira tragédia.
Mas a grande novidade agora são três contos longos, território no qual Ivana se aventura pela primeira vez. Para alguém acostumado à concisão, 20 páginas numa única narrativa podem significar uma enormidade. Contudo, a autora demonstra ter fôlego suficiente para vencê-la sem afrouxar na desejada tensão. Da difícil vida das rêmoras e Ao homem que não me quis tratam do relacionamento amoroso e de sua deterioração, enquanto Mulher do povo, o melhor dos três, traz o pungente relato de uma internação hospitalar vista pelo prisma da paciente. O narrador em primeira pessoa é sempre feminino, e sempre implacável consigo mesmo e com quem contracena. O humor, nascido não raro da autocrítica, tem verve e calidez; dele vêm a força e também a leveza das histórias.
Ivana Arruda Leite escreve de um jeito simples e contundente, que a aproxima rapidamente do leitor. Muito bem resumido pela escritora Livia Garcia-Roza na orelha do livro, o Homem mostra “o que há de mais familiar e ao mesmo tempo mais estranho no universo da mulher. Ao escrever, Ivana alcança a simplicidade de quem põe a mesa ou dá de beber aos passarinhos”. Além de bela, a metáfora não poderia ser melhor.