Os quintais de Revillion

Resenha do livro "Teresa, que esperava as uvas", de Monique Revillion
Monique Revillion, autora de “Teresa, que esperava as uvas”
01/04/2006

Octávio de Faria chegou a afirmar ser Infância o mais importante livro de Graciliano Ramos (“não o melhor que é Angústia, mas o principal”) por demonstrar a intrínseca relação entre o narrador e o menino Graciliano, que, para ele, nunca morreu e se expressa de forma contundente em toda a obra do célebre escritor alagoano.

Baudelaire escreveu que “a pátria é a infância”, de onde tudo vem e para onde tudo converge. Ernesto Sabato, comentando o pensamento do poeta francês, disse, em seu extraordinário O escritor e seus fantasmas: “parece-me difícil escrever algo profundo que não esteja ligado de maneira aberta ou emaranhada à infância”. E na literatura brasileira há outras obras com este rio profundo dos dias de meninice a trespassar o trabalho ficcional — Fernando Sabino, por exemplo, o homem que queria ser menino.

Em seu volume de estréia, Teresa, que esperava as uvas, apresentado por Luis Fernando Verissimo, Monique Revillion deixa chegar à tona do texto as reminiscências e o que é mais importante: a menina que fala pelo narrador, a força das impressões de uma infância distante, mas que está lá, marcando aqui mais, ali um pouco menos, os quintais, dispersos nos 36 textos do livro.

Há uma mania na crítica — principalmente a não muito inteligente e a mais freqüente, diga-se — de dizer que, se o autor é mulher, isto de 1970 para cá, ou esta é filha e herdeira de Clarice Lispector, ou é sua detratora e inimiga mortal. Monique Revillion dialoga com Lispector, mas também, e até mais, com Lygia Fagundes Telles, Lucio Cardoso, Caio Fernando Abreu, dentre outros. E não deixa de estabelecer uma linha de consonância com alguns contemporâneos: Luiz Ruffato, João Anzanello Carrascoza, Cíntia Moscovich, Miguel Sanches Neto, Edgard Telles Ribeiro. Há paralelismos na temática e na delicadeza da abordagem do sublime e do patético humano, categoria em que são sofisticados praticantes os cinco autores acima citados e com os quais Revillion se congraça.

O livro abre-se e tem seu fecho com textos belíssimos, mesmo que tristes, por vezes. O peixe e O movimento das águas delimitam o volume com elegância. Entre os dois trabalhos, há preciosidades, como À janela, Soldado Ezequiel [publicado no Rascunho na edição 56, dezembro/04] e A liberdade dos varais. Fala-se do que dentro das famílias, dentro dos aposentos, isolados do mundo por segredos, ocorre e o que disso se perpetua na vida das personagens. É destas cicatrizes, umas imperceptíveis, outras escancaradas ainda sem muita expectativa de resolução, que nos fala Monique. Há momentos ímpares, como Os primeiros que chegaram, a revelar os nervos expostos de uma sociedade desigual que produz monstruosidades — ou seria apenas a índole sanguinária e destrutiva do homem? Neste conto a autora demonstra a familiaridade com um texto mais cru, mais visceral, trazendo ao leitor um outro viés de sua produção.

Teresa, que esperava as uvas é um respeitável trabalho de estréia desta gaúcha de São Leopoldo, surpresa agradável vinda de terras que nos têm revelado, nos últimos anos, excelentes escritores. Talvez por ser um lugar onde o livro tem status de coisa relevante, por as pessoas das classes mais variadas lerem e por muitos municípios valorizarem a cultura e a educação em geral. Mas pode ser apenas coincidência, como nos têm tentado convencer as autoridades, médicos ou operários de formação, invariavelmente.

Teresa, que esperava as uvas
Monique Revillion
Geração Editorial
158 págs.
Moacyr Godoy Moreira
Rascunho