Os prisioneiros

No romance "A muralha de Adriano", Menalton Braff exercita com precisão um intenso thriller psicológico, uma das principais marcas do autor
Menalton Braff sabe a medida certa para suas tramas e enredos.
01/12/2007

Como na Quadrilha de Carlos Drummond de Andrade, Verônica ama o tio Mateus que ama a cunhada Maria da Graça e cultiva uma certa paixão platônica por Verônica que casa com Anselmo que engravida a prima Gabriela. Mateus passa a viver com Lúcia e briga com o irmão Tiago, pai de Verônica e marido de Maria da Graça, um homem implacável na busca do que classifica de sucesso. Toda essa trama com cheiros e cores de Nelson Rodrigues, só que longe do subúrbio, recheia o novo romance de Menalton Braff, A muralha de Adriano, que não teria outra saída senão se tornar um intenso thriller psicológico, uma das mais profundas marcas do autor.

Menalton constrói seu enredo a partir de metáforas. Aliás, esta é uma recorrência cada vez mais constante na literatura moderna. No caso deste romance, a metáfora começa no próprio título. No século 2, para limitar o avanço dos então bárbaros escoceses, o imperador romano Adriano constrói uma muralha. O fato histórico serve de base para Braff falar das barreiras erguidas pelo homem moderno. Moldadas por preconceitos, sobretudo, tais barreiras, ao tempo que protegem, aprisionam os homens. A muralha de Adriano é um romance de prisioneiros.

O principal desses prisioneiros, aquele por onde circunda toda a trama, é o historiador Mateus. Convicto de que precisa compreender o mundo, renuncia à fortuna ao se negar a trabalhar com o irmão Tiago e até vende sua participação nos negócios herdados do pai. Convicto de que não pode concretizar a paixão pela cunhada e o alumbramento pela sobrinha, vai viver uma relação, digamos, moderna com a determinada Lúcia. E vive a pressão de editores de jornais e dos intensos e constantes estudos. Um prisioneiro das próprias convicções, portanto.

Verônica tem sua parcela de prisão. Criada como “a Imperatriz do Boacompra”, mimada pelo pai e a mãe, aprendeu a ter todas as vontades atendidas. As realidades vividas lhe mostram com certa dureza que nem sempre o mundo está a seus pés. Isso começa com a paixão nutrida pelo tio. Ao longo da narrativa, essa paixão parece mesmo ser um desafio a Tiago, o homem que tenta domar tudo e todos. Verônica, vivendo um casamento de conveniência, aprisiona-se na sua própria empáfia.

Tiago da Cunha Medeiros, é óbvio, aprisiona-se à sua própria ambição. Homem prático, trabalhou toda a vida para construir um império comercial que começa com o supermercado Boacompra herdado do pai. Para se completar como homem, suborna jornalistas para dar-lhe uma imagem de justo, probo e bom. Submete todos aos seus desejos. Ou melhor, faz de todos escadas para a confecção de seus ambiciosos projetos.

Até mesmo os personagens secundários estão envolvidos nas teias criadas por eles próprios. Maria do Carmo vive suas submissões e renúncias. Lúcia, os desafios de uma vida independente e moldada por si mesma. Anselmo, a ambição de uma carreira política vitoriosa ao preço que for necessário. Todos, enfim, metaforicamente aprisionados em seus medos, ambições e preconceitos.

O romance psicológico é uma tradição da literatura universal. Aqui entre nós marcou a obra de clássicos como Machado de Assis e, modernamente, João Gilberto Noll e Silviano Santiago. Até mesmo João Guimarães Rosa se encantou pelo gênero, pois entre as múltiplas leituras de Grande sertão: veredas, uma delas é como romance psicológico. Menalton se inscreve nesta tradição envolvendo seus personagens em dores universais, como ambição, ciúme e paixão. Estes personagens, paulatinamente, vão se tornando verdadeiros becos sem saída, vielas estreitas e sem perspectivas.

Com todos estes ingredientes, A muralha de Adriano é um romance envolvente e de boa leitura. Em alguns momentos, no entanto, perde a intensidade rítmica e quase descamba em monotonia. Recupera logo o fôlego, mas não foge da irregularidade que, de certa forma, se compensa pela poesia das frases bem elaboradas. Há também aqui alguns exageros, mas nada que comprometa o todo da obra verdadeiramente bem elaborada.

Romance com labirintos psicológicos construídos com rigor e verossimilhança, este A muralha de Adriano revela um autor amadurecido. Menalton Braff sabe a medida certa para suas tramas e enredos, enfim.

A muralha de Adriano
Menalton Braff
Bertrand Brasil
367 págs.
Menalton Braff
Nasceu em Taquara (RS), em 1928. Em 2000, conquistou o Prêmio Jabuti (Livro do Ano, na categoria Ficção), com os contos de À sombra do cipreste. Seu romance Castelos de papel foi um dos finalistas da Jornada de Passo Fundo, em 2003. É autor, entre outros, de Que enchente me carrega?, Na teia do sol e A coleira no pescoço. Vive em Serrana (SP).
Maurício Melo Junior

É jornalista e escritor.

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