Desde os tempos imemoriais da História, o amor é tema recorrente na literatura, objeto de olhares diferenciados, mas sempre candentes e polêmicos. É o inesgotável leitmotiv para a prosa, a poesia e o teatro, nas vozes de tantos autores que fizeram ressoar seus cantos em sonetos, versos metrificados ou livres, e também na dramaturgia e até na filosofia.
Referido por Platão, no Banquete, enfocado por Shakespeare e Dante em suas obras, nos Cantares bíblicos de Salomão, até os versos contemporâneos de Vinicius de Moraes, o amor é matéria e circunstância para interpretações literárias que nos legaram as mais belas páginas da literatura universal. “Que seja eterno enquanto dure”, como proclamou o poeta de Ipanema; ou reconhecido por Camões como o “fogo que arde sem doer”, vem sobrevivendo a tantas incursões, desafiando os amantes, os poetas e ficcionistas, merecendo mergulhos profundos, multiplicando o culto ou as tentativas de uma compreensão universal.
Rita Moutinho, poeta e ensaísta carioca, elegeu os mistérios do amor para elaborar uma verdadeira obra de arte em torno desse sentimento que tanto instiga o ser humano e alimenta as relações sociais e políticas. Com uma leitura lírica e ao mesmo tempo reflexiva, estas variações em torno do amor constituem o objeto de seu novo livro, Sonetos dos amores mortos. A obra, que reúne 90 composições, enfeixando as várias nuances desse sentimento maior, é dividida, harmonicamente, em conjuntos cujos versos tratam da separação, da súplica, da despedida, do ódio, das razões, da memória, da saudade, do lamento, das reaparições, dos lutos, dos frutos e do futuro.
Com sua larga experiência estética, a autora recorre à tradição poética para inventariar as dores e delícias de amores vividos e perdidos, circulando pela festa e pelo luto. No curso desse espólio afetivo, delineia conceitualmente as diversas fases do amor ancestral, no que ele oferece de possibilidade ou de frustração, que culmina no eterno embate entre eros e thanatos. Desde Romanceiro dos amantes (1999), Rita Moutinho vem cultuando a poesia antiga, renovando-a com seu particular arejamento estilístico, sem cair na pieguice sentimental que caracteriza alguns sonetistas, que apenas alcançam um requentamento nostálgico tanto da forma quanto do tema. Com isso, a autora deu novo fôlego a essa rígida estrutura poética, enriquecida também pelo diálogo que mantém com a modernidade da linguagem.
Ao adotar os recursos da metrificação, com pleno domínio da técnica, do ritmo e da fluência, além de uma perfeita interposição de rimas toantes e soantes, e de uma competente utilização de metáforas, que conferiram especial plasticidade aos poemas, Rita Moutinho caminha contrariamente à tendência instaurada pelo modernismo, que ensejou definitivamente o verso livre. E demonstra que, apesar de a poesia contemporânea recusar a estrutura tradicional e rígida, o soneto não perdeu sua majestade, continua sendo a construção por excelência. Principalmente quando resulta de uma meticulosa, criativa e versátil tessitura, como os versos que a autora nos oferece, com sobriedade e elegância, numa safra que se utiliza dos gêneros petrarquiano e inglês, contribuindo para o resgate e a revalorização da forma fixa.
Sonetos dos amores mortos não se limita à decantação ou apologia do amor nem cuida da satanização das suas perdas, mas da extração da pura e verdadeira poesia que ele encerra, com suas projeções oníricas, suas simbologias ou representações. O que motivou Rita a viajar por um tema tão banalizado pela arte e pelos relacionamentos é a possibilidade de um novo e dialético olhar, sem as exacerbações emocionais e psicológicas, mas possibilitando uma incursão filosófica e crítica pelo sentimento que governa a humanidade, além de dialogar, com sutileza, com outros autores e obras que enfrentaram o amor com a mesma disposição para percorrer os seus segredos.
Rita Moutinho alcançou plenamente seu objetivo e se consagra como uma autora em plena sintonia com as demandas da poesia atual, legando-nos um expressivo panorama poético sobre um sentimento que atravessa os séculos e comportará sempre novas e distintas percepções.