Indicado ao prêmio Jabuti 2002, na categoria romance, com Adágio para o silêncio, meu primeiro contato com Luís Giffoni se dá pelo conto, por meio de seu livro Os chinelos de raposa polar, lançado pela Editora Pulsar, aliás, um selo criado pelo autor para divulgar suas obras, desvencilhando-se das amarras editoriais e da camisa-de-força dos contratos de publicação, estes nem sempre vantajosos para o criador. Neste mercado editorial que privilegia o lucro em primeiro plano, torna-se cada dia mais difícil um escritor conseguir uma boa resenha em jornais de circulação nacional. Na contramão dessa tendência, Giffoni tem sua obra reconhecida e criticada pelo Jornal do Brasil ou pelo O Globo. Mas essa condescendência não pode ser usada em seu favor, se estivermos discutindo a busca da qualidade literária.
Os contos que compõem Raposa polar têm méritos consideráveis e um deles é o de conseguir prender o leitor com suas tramas que misturam o realismo fantástico, o surrealismo e não raro uma narrativa correta, certamente inspirada em Machado de Assis e seus contemporâneos, que tem como regra a valorização dos preceitos clássicos do conto, que incluem início, meio e final surpreendente. Ou seja: não espere o leitor encontrar uma linguagem além da tradicional, ou qualquer arroubo de transgressão formal ou estilística. Giffoni é um autor que prima pela contenção e transita por uma linguagem literariamente correta, preferindo não arriscar em desvios verborrágicos ou outras invencionices impactantes.
Talvez o grande entrave desta Raposa seja o excesso de comedimento. Certinha demais, soa paradoxal à proposta do autor, de subverter histórias, de inventar uma nova realidade, calcada na existência de seres inanimados, vez que não raro estes são os personagens principais do livro. Poderia aproveitar essa vertente para ousar na forma, sem prejuízo do conteúdo.
Não há dúvidas de que há narrativas muito bem acabadas. É o caso de Ars gratia artis, conto que consegue nos passar um vislumbre que seja do que poderíamos vir a ler: um escritor sem medo da verdadeira subversão, que no meu ponto de vista, é a lingüística. Daí, a linha inicial do conto ser inesperada: “Preparam o meu suicídio”.
Termino de ler o livro de Giffoni com a sensação de já ter encontrado suas histórias em algum lugar, mas o autor escreve com tamanha precisão e senso estético, que poderíamos confundir a trama modificada de Shakespeare no conto Os amantes de Verona com alguma outra dos Seis personagens em busca de um autor, de Pirandello, ou achar Ars gratia artis camuflado n’O túnel, do Sábato, ainda Clarice ou Kafka com suas respectivas baratas. Fica essa impressão de obra bem-feita, mas que não consegue acrescentar muito ao que já foi feito na literatura, o que não tem importância nenhuma se a intenção do autor for apenas a diversão e o passatempo, o que não parece ser o caso de Giffoni. E se o leitor tiver paciência, vai ver que o Borges, autor tão caro a todo escritor, está por ali, respirando, às vezes silenciosamente e outras um pouco mais barulhento, em cada história do livro, como se houvesse uma obrigação moral de render uma homenagem ao escritor argentino toda vez que se queira escrever contos fantásticos.
Os chinelos no entanto, têm o mérito de discutir a feitura da arte, o seu valor e as limitações do artista, uma função louvável para a literatura dos dias de hoje, baseada no umbiguismo desavergonhado, e é justamente por isso que recomendo a leitura dos contos de Luís Giffoni, mas com aquele espírito de desjejum, porque aparentemente a refeição completa, o melhor de seu trabalho de escritor, deve se encontrar no Adágio.