Nos últimos meses não faltaram obituários para os jornais impressos. Em crise provocada pela mudança de hábito dos consumidores — que encontram farta informação, de graça, na internet —, o que fez despencar circulação e renda publicitária, jornais americanos e europeus temem a frase que antes anunciava o “furo” de reportagem: “Parem as máquinas!”
Entre a agonia em praça pública das publicações norte-americanas, das quais nem mesmo o tradicional New York Times escapou do prejuízo, e o comprometedor subsídio estatal aos jornais franceses, a pauta do dia é se adaptar aos novos tempos. No Brasil, onde os impressos comemoram estabilidade na circulação, garantindo uma notável sobrevida em tempos de internet, não é diferente. Ou pelo, menos, não deveria ser.
Em O destino do jornal, fruto de uma dissertação de mestrado defendida na USP em 2007, Lourival Sant’Anna busca respostas para como os mais prestigiosos jornais brasileiros de alcance nacional — Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo — enfrentam a crise do setor e experimentam as vestes da convergência digital.
Para isso, investiga o modelo tradicional do jornalismo, com estrutura de financiamento e gestão que garantiram a qualidade e credibilidade da profissão até agora, o mercado, os anunciantes e os leitores, munido de dados estatísticos de circulação, pesquisa focus group e entrevistas com especialistas e executivos na área.
Ao final da aula de anatomia, chega-se à conclusão, óbvia mas não tanto para os donos da mídia, de que a solução passa por inovações tecnológicas, com a abertura para a interatividade das redes sociais, e o investimento em um jornalismo analítico, que contraponha sentido à cacofonia do modelo horizontal de comunicação da internet.
Afinal, que tipo de leitor precisa esperar a manhã do dia seguinte para saber da queda do vôo 443 da Air France? Certamente, um leitor cada vez mais escasso, que não minimiza o fato de que o prazo de validade das notícias está cada vez mais curto nas bancas de jornais. O panorama traçado por Sant’Anna é preciso: “Em larga medida, os jornais continuam produzidos como se os leitores não tivessem sido bombardeados, na véspera, com notícias sobre os fatos, à medida que eles ocorriam (…) As redações não estão estruturadas para oferecer, com qualidade, o contexto e a análise da notícia, que são os atributos que diferenciam o jornal de outros meios. Nesse sentido, o meio jornal sofre de uma crescente inadequação, um descompasso, entre seu produto e as demandas do mercado”.
Fica claro, portanto, que as mudanças passam não somente por uma nova perspectiva de empresários como também pela redação, o cérebro e o coração dos jornais. O jornal, hoje, é um produto híbrido impresso e digital. Desta forma, o profissional precisa desenvolver habilidades coerentes com as demandas do ramo, imprimindo novo dinamismo à apuração dos fatos e coberturas, para a produção on-line, ao mesmo tempo em que investe numa edição mais bem cuidada, mais próxima das revistas.
É nesse equilíbrio de forças que o jornal deverá ser reinventado, mas cujo esforço o autor não identifica na observação que faz da imprensa brasileira: “Aquilo que o jornal pode fazer melhor são histórias bem contadas, com contextualização, interpretação, análise e opinião. Mas está longe de ter atingido o ponto ótimo nessas tarefas. Na verdade, o jornal ainda está muito mais estruturado para contar ‘o quê’ do que para explicar ‘por quê’. As redações são compostas de centenas de profissionais, cujo alcance técnico e rotina são mais ou menos adequados para a produção de notícias, não para agregar-lhes outros valores”.
Ler O destino do jornal no contexto da recente suspensão da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da atividade, decretada pelo Supremo Tribunal Federal, é se perguntar também sobre o destino do jornalista. O diálogo proposto por Sant’Anna poderia muito bem ser continuado sob a ótica da defasagem de escolas de jornalismo do país, que agora precisam também trocar de pele, se quiserem assumir a tarefa de preparar os novos artífices da reportagem.