A mulher que fugiu de Sodoma é o primeiro romance de José Geraldo Vieira, publicado em 1931. É a história dramática do casal Mário e Lúcia, envolvidos numa trama insolúvel.
Mário, filho de nobreza decadente, é herdeiro do fracasso material, protagonizado por sua mãe, baronesa em luta inglória para recuperar seus bens, pagar dívidas e resolver dilemas. Viciado em jogo, ele esconde isso da esposa até que uma dívida imensa vem à tona. A revelação do vício à mulher é a chave que abre a narrativa. Lúcia entra numa busca desesperada para conseguir dinheiro para pagar a dívida contraída pelo marido.
Ajudado, ele jura recuperar-se, mas não cumpre a promessa. Desiludida, ela o abandona. Cada qual segue seu caminho, tentando se recuperar moral e emocionalmente da experiência vivida. Mandado para Paris por um tio, o jovem transita entre a recuperação e a dependência do jogo. Vive um drama muito bem retratado pelo narrador que não se limita à arte da escrita, mas busca relacionar várias linguagens, como por exemplo, liga o drama de Mário ao Descida da cruz, de Rubens, pintor do período barroco. O desfecho da história também é relacionado com outra tela de Rubens, um estudo do Fuga de Ló. Desfecho inteligente, dramático, ápice do enredo que nos remete a um estado de comoção e reflexão.
Há altos e baixos na composição dos personagens, retratos muito bem acabados a retratos caricatos, superficiais, romantizados. As falas não têm marcas próprias, não importa se quem se descreve ou é descrito, se é um velho miserável ou uma dama rica, todos utilizam a língua culta, o que causa estranhamento. Mas, é evidente que estamos diante de um texto muito bem elaborado, de qualidade inquestionável, de fôlego.
Apesar do formalismo excessivo e da abundância de metáforas, a linguagem de José Geraldo Vieira é extremamente fluente e clara. Suspense, tensão e questões filosóficas vão se compondo numa narrativa forte, que revela valores materiais e morais, perfis de sujeitos das classes alta, média e baixa dos anos 20, descreve o Rio de Janeiro (arquitetura e movimento), o interior de São Paulo, Paris.
São perceptíveis diversas vertentes romanescas, investidas do autor no sentido do cosmopolitismo, da busca da sua própria linguagem no âmbito das linguagens preexistente, arquetípicas. Críticas à linguagem transbordante de metáforas, ao caráter supostamente pernóstico do autor, podem ser aventadas, mas não se pode reduzir o conjunto do trabalho do artista a elas. O romance tem estrutura e beleza suficientes para ser um clássico da nossa literatura. Entenda-se clássico um trabalho que incorpora tradições, inova e resiste ao tempo e aos ismos.
Gostoso de ler, de aprender, de imaginar, estas são minhas impressões enquanto leitora que lê por prazer, por curiosidade, por vício. O livro me tomou e me levou até a última página, num fôlego, numa busca de respostas e deslumbramentos de linguagem.
Vejo como um problema o fato de a editora não ter se preocupado em colocar em notas de rodapé as versões dos diálogos e citações em francês que abundam no romance. Afinal, o leitor brasileiro não tem obrigação de saber francês. E mais, se desejamos aumentar o número de leitores, devemos cuidar para que certos detalhes não entravem a leitura.