O rabino não pode parar

A literatura policial de Harry Kemelman tem um rabino no centro das tramas e muitas idéias a sua volta
01/03/2005

Quando você estiver lendo este texto, talvez minha angústia já tenha passado. Talvez. Porque os livros de Harry Kemelman (1908-1996) disponíveis no Brasil são poucos. Tive de importar os dois últimos que compõem a semana do rabino David Small. E demora, demora. Neste entretempo, não consigo ler absolutamente nada. Às vezes pego um livro na estante e o folheio. Mas acabo mesmo é sentado na poltrona, olhando o vazio. Às vezes fico elaborando planos para adquirir os dois últimos livros mais facilmente. As noites são longas nesta espera.

Conheci Harry Kemelman por puro acaso. Na estante, chamou-me a atenção o título do livro: Sexta-feira o rabino acordou tarde. Mas não foi só isso, obviamente. Tenho de confessar que sou um admirador da cultura judaica. Leio com imenso prazer, há muitos meses, a coletânea de contos de Isaac Bashevis Singer, lançada no ano passado pela Companhia das Letras. Calculo para que o livro dure. Não leio mais do que um ou dois contos por mês. Às vezes me permito a extravagância de ler quatro, mas morro de culpa. Sou um fascinado — e um tanto quanto maluco.

Por isso, foi mesmo impossível resistir à tentação de unir duas paixões: literatura policial e cultura judaica. Nem hesitei. Comprei o livro e já no seu final estava suando frio, pedindo pelo telefone mesmo o livro seguinte. E o outro, o outro, o outro. Pena que a editora tenha oferecido tão poucos títulos em português. São apenas cinco: O dia em que o rabino foi embora, Sexta-feira o rabino acordou tarde, Sábado o rabino passou fome (esgotado), Domingo o rabino ficou em casa e Segunda-feira o rabino viajou. Completam a semana os títulos: Tuesday the rabbi saw red, Wednesday the rabbi got wet e Thursday the rabbi walked out.

Muita gente ainda não acredita que um livro possa mudar a vida de um homem. Eu dou testemunho de que pode — e muito. Não precisa ser livro da Lya Luft nem do Lair Ribeiro, ainda que eu jamais despreze o poder deste tipo de livro sobre as pessoas. Tampouco precisa ser livro do Guimarães Rosa ou James Joyce, só para ficar em dois difíceis. Dentro das condições normais de temperatura e pressão, qualquer livro pode mudar nossa vida, para melhor ou para pior. E eu tenho dado prioridade aos livros que melhoram minha vida. Só para não contrariar a sabedoria da espécie.

Harry Kemelman, com seu rabino David Small, mudou a minha vida. Não quero dizer com isso que vou me converter ao judaísmo, ainda que a idéia seja tentadora. Nem tampouco vou usar informalmente um kipá. A mudança de que falo é mais relevante. É uma mudança de postura com relação ao mundo, ao modo como me relaciono com as pessoas e, sobretudo, uma mudança da minha relação com o tempo. Mas não se preocupe que eu não vou falar sobre isso neste texto. Quem sabe numa mesa de bar, não é mesmo?

O personagem central dos livros de Kemelman é o rabino David Small. No primeiro livro da “série”, Small é um rabino recém-chegado à cidade litorânea de Barnard’s Crossing. É uma cidade onde vive uma comunidade de judeus prósperos, mas claudicantes no que diz respeito à religião. Montada a sinagoga na cidade, acabam por escolher o rabino recém-saído do seminário. Os rabinos, ao contrário dos padres e pastores, são contratados pela sinagoga. Neste caso, David Small cumprirá uma espécie de contrato de experiência de um ano, podendo ou não ser renovado.

Small pertence a uma linhagem de rabinos. Seu pai foi rabino e seu avô foi rabino. Ele é um talmudista conservador, um estudioso — e não um sacerdote. Mas o leitor é convidado por Kemelman a perceber o quanto o judaísmo pode, como todas as religiões, cair na vulgaridade. Os judeus de Barnard’s Crossing querem um rabino que se assemelhe mais a um guia espiritual. É aqui que começam os conflitos.

A gente aprende a amar David Small ao longo dos livros. Não é fácil. Ele é íntegro, mas também é muito turrão. Às vezes, a gente fica pensando se Small não precisa de certo jogo de cintura, para saber lidar com as pessoas. Se não precisa de flexibilidade. Se bem que, quando a gente termina o livro, acaba perguntando se não são justamente estas concessões cotidianas que fazem do mundo um ambiente ideal para a proliferação da desonestidade, da corrupção e da maldade.

Paralelamente à disputa na sinagoga entre os congregados a favor e contra a permanência do rabino, há um crime. Uma babá grávida é assassinada. O corpo dela é encontrado dentro do carro do rabino, no estacionamento da sinagoga. David Small está entre os suspeitos, porque ficou até tarde estudando uns livros talmúdicos.

É neste ponto que se estabelece uma relação bastante interessante. Enquanto David Small enfrenta problemas entre os seus, ele acaba encontrando um amigo no delegado da cidade, um irlandês anglicano. Mais do que conversas sobre crimes, entre eles se desenvolverá uma conversa sobre religião. Principalmente sobre os mal-entendidos que cercam o judaísmo. Num tom extremamente didádico, Kemelman, pela voz de Small, nos introduz no universo da cultura judaica. Não sei quanto a você, mas eu acho fascinante.

Até porque não compartilho daquela opinião de que não se deve nunca discutir religião, futebol e política. Acho que, entre pessoas civilizadas (ou mesmo entre bêbados amigos) não há nada melhor do que uma boa e enriquecedora discussão. O problema aí está em querer convencer o outro de alguma coisa. Uma tentação a que é preciso resistir. Eu resisto — e você?

O interessante, ainda, em Sexta-feira o rabino acordou tarde é o uso do Talmude como método de investigação. No início do livro, aprendemos que o Talmude não é apenas um livro sagrado no sentido tradicional do termo. Ele não somente é capaz de estabelecer uma relação entre os homens e Deus, como também determina um modo ético de se viver neste mundo. É a partir desta premissa que o Talmude pode ser usado até mesmo para desvendar crimes.

A partir deste ponto, tudo o que eu disse sobre o livro pode tirar seu encanto. Então, acho melhor começar a comentar logo o Sábado o rabino passou fome. Assim não corro o risco de contar o final do livro. O que eu não faria, jamais, por mal; é que eu adoro conversar sobre livros e é uma pena, uma verdadeira pena que vocês não tenham lido Kemelman ainda.

Depois de ler Sexta-feira o rabino acordou tarde fiquei na fissura. Percorri todos as livrarias por perto e em todas fui informado de que o Sábado o rabino passou fome está esgotado. Ora, eu já sou experiente o bastante para saber que estes livros têm de ser lidos na ordem. Deu-se, então, início a uma busca desesperada. Fui encontrar o livro num sebo de Curitiba. Tive de esperar quinze dias para lê-lo. Não me arrependi, ainda que tenha sofrido um bocado com a demora.

Pois em Sábado o rabino passou fome, David Small está novamente em apuros dentro da sua congregação. Desta vez por causa de um aumento e renovação do contrato. Coisas mundanas. David Small, porém, é um turrão. Não arreda o pé de suas convicções. E, se a congregação quiser mesmo outro rabino, o problema é dela. Small não se desviará do seu caminho por isso.

O crime da vez é um assassinato que parece um suicídio. Um judeu casado com uma não-judia é encontrado morto na garagem de casa, bêbado. Tudo indica que foi um suicídio, ainda que Small nunca acredite nisso. Atendendo a um pedido da viúva, e apesar de o defunto não ser um judeu praticante, ele é enterrado no cemitério judaico da cidade, num ritual típico, com a presença do rabino.

O problema é que a idéia de que a morte foi suicídio aterroriza os membros da congregação. No judaísmo, assim como no cristianismo de verdade, os suicidas são considerados impuros, indignos de serem enterrados em solo consagrado, sob as prédicas de um rabino. Vale lembrar, aqui, que um rabino não é um sacerdote. Sua função num funeral não é encomendar a alma a Deus, como no catolicismo. Ele apenas guia o ritual, como um professor.

Kemelman, neste livro, enfatiza esta questão do suicídio para delinear ainda mais a moral de Small. Usando o Talmude novamente, Small expõe suas convicções quanto a estas regras que separam os suicidas dos demais. Eu gostei quando ele se deteve na questão do solo consagrado e na sua delimitação por uma cerca capenga. A certa altura ainda o rabino pergunta sobre a idoneidade dos que se mataram diante do perigo nazista. Seriam eles também impuros?

Assim, munido apenas de conhecimento, Small mostra, primeiro, que os membros da sua congregação não passam de uns supersticiosos ignorantes, alheios para a essência do judaísmo; depois, mostra que o suicida na verdade foi assassinado. Tem início, aqui, a caçada propriamente dita.

Em Sábado o rabino passou fome, Kemelman explora ainda dois temas caros aos judeus: a culpa e a crença numa vida após a morte. Sobre a primeira, achei interessante a idéia de que os judeus não aspiram à santidade, como os cristãos. Logo, o judaísmo passa a ser um conjunto de regras para a vida ética neste mundo, sem promessa alguma de redenção no outro, se outro houver. Aliás, a questão de um Paraíso ou Inferno simplesmente não interessa aos judeus. Pelo menos é o que diz Small. Este mundo é o que interessa. Ser bom e feliz aqui. Fiquei surpreso, estupefato mesmo com a idéia de que, após a morte, vivemos apenas na lembrança dos nossos entes queridos. É algo cruel, mas de um racionalismo cativante.

É neste livro, ainda, em meio às questões políticas dentro da sinagoga e o desfecho do mistério da morte do judeu ateu (eu já disse que ele era ateu?), que David Small disserta mais longamente sobre a importância do Livro de Jó na filosofia judaica. O tema deveria interessar a todos. A mim me interessa sobremaneira. Porque em Jó o que se discute é a idéia de uma Justiça Divina. Do tipo que nos ensinam desde cedo: os bons serão recompensados e os maus serão castigados. Ora, a gente sabe que no mundo real não é bem assim. Há muita gente má, desonesta, filhadaputa mesmo por aí, colhendo os inequívocos louros do mau-caratismo. Nós, criados dentro da tradição cristã, nos revoltamos e nos perguntamos como é possível e até quando. O rabino dá uma resposta serena a estas dúvidas: é possível porque o limite é a morte. Parece algo vago e besta, mas não. O homem mau que prospera é uma prova de que os desígnios da Justiça Divina não se pautam pelo conhecimento humano. Você pode dizer que este é um pensamento simplista e tem todo o direito. Já eu acho que é revolucionário.

A idéia central do Livro de Jó mudou a minha vida. Depois de terminar de ler Sábado o rabino passou fome, sentei-me na poltrona, peguei a Bíblia e li o Livro de Jó. Cofiei a barba imaginária, fiquei ali pensando um pouco. Sei que o misticismo que vou relatar agora pode chocar muitos e que contraria até mesmo os preceitos que me levaram a ele, mas: me senti tão mais compreensível depois de ler o livro. Tão mais leve, tão mais sábio, tão mais condescendente com o mundo. Às vezes, eu titubeio, é verdade. Fico achando que tanta injustiça é inconcebível. Mas depois eu volto a Jó. Conhecimento é algo que não se esvai nunca. É nisso que reside a sua beleza.

Entusiasmado com as aventuras do rabino, passei logo numa livraria para adquirir Domingo o rabino ficou em casa. Que li em uma só tarde. Quem é consumidor de livros policiais sabe o quão importante é a fluência deste tipo de narrativa.

Pois em Domingo o rabino ficou em casa, o tema do anti-semitismo aparece pela primeira vez nos livros de Kemelman. Mas não do modo a que estamos acostumados, com aquele maniqueísmo todo. Até porque as histórias do rabino David Small se passam nos anos 60 e 70, isto é, pelo menos duas décadas depois do Holocausto. E eu acho que já naquele tempo o assunto estava cansando as pessoas — o que é uma pena. Este tipo de assunto jamais deveria cansar as pessoas, porque há sempre o perigo do retorno. Eu acredito cegamente que o tempo é cíclico e que, bem, viveremos toda a desgraça novamente. Não sou lá muito otimista.

Depois de brigar por dois livros com a congregação, o rabino dá sinais de cansaço. Ele procura novos desafios, porque realmente é um saco ficar brigando com as pessoas o tempo todo. Mesmo que a briga seja para defender seus princípios. Numa viagem a uma cidade próxima para uma palestra sobre judaísmo, o rabino se depara com um moleque, que todos chamam de “poeta”. O tal do poeta não passa de um hippie. Numa mesa de jantar, num coquetel, o tal do poeta começa a disparar todo tipo de acusações contra os judeus. O detalhe que não pode passar: o “poeta” é um ativista negro que vê culpa em todo mundo.

Este episódio marca a aproximação do rabino com os jovens. Sabemos que o rabino é um homem que não chegou sequer aos 40 anos. E que enfrenta problemas com os adultos que acham que sabem tudo sobre judaísmo em sua congregação. Pois é justamente entre os jovens que o rabino recebe melhor acolhida para suas idéias. Sobretudo porque o final dos anos 60 e início dos 70 foi um período de intenso debate religioso, com a disseminação do ateísmo e do misticismo alternativo entre os mais jovens. Conservador, o rabino explica a importância das tradições judaicas numa época em que a palavra tradição causava calafrios.

A história, desta vez, gira em torno dos filhos dos homens que comandam a congregação — e que novamente andam às turras com o rabino. Depois de participarem de um lual, os jovens acabam se envolvendo num assassinato. Quer dizer, eles estavam muito próximos do acontecimento, tanto que seria uma idiotice não considerá-los ao menos suspeitos. Novamente o rabino, de Talmude em punho, resolve o crime — de forma sempre surpreendente.

Já disse aqui: o rabino é um tanto quanto inflexível em sua concepção de vida ética. Isso gerou, em todos os episódios, atritos com a congregação. Em todos os livros, David Small teve de se impor para garantir o seu emprego. Ora, chega um momento em que cansa dar murro em ponta de faca. E ao final deste Domingo o rabino ficou em casa o rabino cansa.

Na verdade, há uma sutil contradição entre o que prega o rabino e sua atitude. Porque, se por um lado é lícito lutar por aquilo que se acredita, por outro também é lícito abdicar de seus pontos de vista para manter um ambiente harmônico. De alguma forma, David Small percebe que sua presença em meio àquela congregação não é algo bom nem para ele nem para os seus. No entanto, o rabino jamais mudará seu modo de pensar para se adaptar à sinagoga e manter seu emprego. A única saída para isso, portanto, é a cisão.

E ela de fato acontece em Segunda-feira o rabino viajou. Este é o último livro da série lançado em português. É o menos interessante do ponto de vista policial. Por outro lado, é o mais interessante livro no que diz respeito ao modo como o mundo hoje em dia vê os judeus e toda a questão sionista. Portanto, antes de falar que os judeus são nazistas, vale dar uma lidinha neste livro. Não dói nada.

Cansado das brigas constantes na sinagoga, o rabino resolve pedir uma licença não-remunerada para viajar para Israel por três meses, sem garantia de volta. Percebendo o quanto devia ao rabino nestes anos todos de dedicação, a congregação resolve lhe conceder a licença. Mas, no íntimo, estão torcendo para ele não voltar. O que eles não sabem é que David Small realmente cogita não voltar mais para a cidade.

Em Israel, Harry Kemelman pinta um mundo em construção. O estado judaico tal qual ele foi concebido na década de 40 já tem alguns vícios e em nada se parece com as comunidades judaicas norte-americanas. Para Small — e também para mim, como leitor — o mais interessante é perceber que, naquele país, os rituais ocidentais não fazem muito sentido, simplesmente porque eles deixam de ser um ritual para ser um costume. Respeitar o shabba, por exemplo, não é algo difícil como na América, onde a imensa maioria da população vive a vida normal no sábado e, portanto, vê os judeus como figuras quase excêntricas. Lá nada funciona no sábado. Isso faz com que a figura de um rabino seja quase dispensável, ou, por outra, faz com que exija uma reorganização da sociedade judaica, na qual o rabino passa a exercer a sua função primordial de professor, e não de “sacerdote”.

Em Israel, a gente percebe que David Small está claramente inclinado a permanecer ali. É com angústia também que sabemos que a congregação de Barnard’s Crossing não sente muito a falta dele. Estão satisfeitíssimos com o rabino substituto e cogitam mesmo dispensar David Small se ele resolver voltar.

Em Israel, contudo, o rabino está envolvido num caso de terrorismo. As bombas parecem explodir sempre ao seu lado. É muito azar para um homem só viajar em busca de sossego para muito além do Atlântico e se ver envolvido com o Mossad, numa suspeita no mínimo curiosa de terrorismo, na qual um judeu luta contra outro judeu — sem nenhuma causa aparente envolvida.

Mas, como já disse, o “mistério” policial do livro é dispensável. Não vale mesmo a pena. Muito melhor é a cena em que dois judeus de Barnard’s Crossing viajam para Israel, encontram o rabino e pedem para com ele fazerem um tour pela cidade. Naquela pequena viagem pelas ruas de Jerusalém se aprende mais sobre os acertos e erros dos judeus do que em qualquer artigo de jornal sobre a questão sionista.

Por fim, depois de ler todos os livros de Kemelman em português, venci meu medo e também minha aversão ao inglês e comprei Tuesday the rabbi saw red. Já faz mais de duas semanas que terminei de ler o livro e desde então vivo a expectativa de ler os dois outros que faltam para completar a série. Isso mesmo com a constatação de que os primeiros são melhores dos que os últimos, que no entanto também são muito bons — dá para entender?

Em Tuesday the rabbi saw red a ação se passa novamente à margem da congregação. Não totalmente, é claro. O rabino voltou ao serviço em Barnard’s Crossing, mas sua inclinação aos estudos judaicos faz com que ele se disponha a dar aulas numa faculdade próxima. Aqui também temos, mais uma vez, David Small envolvido com a juventude judaica. Algo muito, muito interessante mesmo, se pensarmos que aqueles eram anos de muito idealismo, sexo, drogas e rock’n’roll. Foi a época dos hippies, do ecletismo, da idéia de que as tradições nada valem e de que os velhos não sabem nada sobre a vida. Há quem diga que foram os hippies daqueles anos 70 que moldaram a sociedade tal e qual a conhecemos hoje. Não me parece absurdo.

Muito mais do que um livro policial, Tuesday the rabbi saw red é um livro sobre mitos e verdades do judaísmo. A vocação para lecionar de David Small permite que o autor use um tom mais didático para com o leitor, que faz as vezes de alunos. O livro é fraco do ponto de vista policial. Eu diria que é até mesmo desprezível. Bom é aprender sobre os ritos judaicos e, de uma vez por todas, passar por cima de algumas mentiras anti-semitas consolidadas no nosso cotidiano.

David Small é um personagem marcante, num microcosmo interessante pelo seu exotismo. Mas não é só isso. As histórias do rabino David Small dão uma boa idéia do que um livro policial pode fazer na vida de uma pessoa, ainda que algumas pessoas tenham ojeriza pelo gênero que consideram menor. Posso dizer, sem dúvida nenhum, que sou outro depois de ler os cinco livros aqui comentados. Uma noção ética renasceu em mim com força. E parti em busca de valores que me são caros, como paciência, compreensão e, sobretudo, desapego. Acreditem ou não, aprendi a me resignar e aprendi que o tempo é vasto e está fora do meu controle. E que meu mundo é este e que depois da morte eu viverei nas lembranças que os outros terão de mim, sobre as quais eu não terei nenhum controle.

Acho mesmo que a idéia de que os livros policiais podem mudar a vida de uma pessoa serve para qualquer tipo de livro. Até para os de auto-ajuda — tão execrados pela crítica, inclusive por mim. Ora, se as palavras de um homem são capazes de tornar outro homem melhor, que mal há nisso? Espero, realmente, que um dia os homens considerados inteligentes deste país percebam que mais vale transformar a vida de uma pessoa pela prosa fácil do que destruir a vida de duas pela prosa caótica, melancólica e desesperada da modernidade.

Paulo Polzonoff Jr.
Rascunho