O poeta Walmir Ayala é pouco lido porque é mal lido. Da família de Manuel Bandeira e Mário de Andrade, como eles sabia ocultar a arquitetura do poema, construindo versos que, aparentemente simples, a um olhar atento se revelam elaborados com rara perícia. Poucos hoje se dispõem a estudar os aspectos técnicos da criação poética, requisito necessário para que se perceba em que medida a espontaneidade do discurso lírico é deliberadamente simulada por meio de recursos manejados com maestria; no caso particular de Walmir, é ainda mais difícil percebê-lo por seu uso dos ritmos largos: mais facilmente se reconhece um redondilho do que o ritmo anapéstico de versos como “Esperei o momento oportuno/ e o desejo me foi negado”. A estes leitores, Walmir pode parecer um poeta fraco — não por deficiências de sua obra, mas por efeito de uma distorção de leitura: induzidos pelo que equivocadamente percebem como uma carência de recursos literários, não percebem como ele radicalizou a proposta de alargar os domínios da poesis, fazendo da escrita um instrumento para compreender e situar-se no mundo.
Responsável pelo volume dedicado a Walmir Ayala na excelente coleção Melhores poemas, Marco Lucchesi não apenas preparou uma valiosa antologia, compilando textos representativos dos vários desdobramentos da vasta produção ayaliana, como também assina um primoroso prefácio, no qual examina aspectos fulcrais de um corpus lírico que (adequadamente) qualifica como “vasto, plural e descontínuo”. Se Walmir escreveu muito e se freqüentemente repensou sua dicção poética, assim o fez por escrever não por capricho, mas por uma necessidade existencial; e, se ao leitor leviano compreender a trajetória subjacente a essas variações pode parecer um obstáculo intransponível, o leitor apurado fará o que fez Lucchesi em seu texto: perscrutará as inquietações da poesia à procura de um sentido fundamental.
Pode-se assim perceber que a descontinuidade textual vela um questionamento profundo, já presente no inaugural Face dispersa (1955), vinculado a um insuperável sentimento de exílio metafísico. Os últimos versos de Motivo dos lírios oferecem uma clave para a compreensão da obra ayaliana: ao afirmar que os lírios na mesa vazia “Serão musicalmente desfolhados pelo peso das horas,/ para que a brevidade os deixe gravados em saudades nos meus olhos/ não como as minhas mãos expulsas da saudade de Deus”, Walmir nos permite conceber o poeta como aquele que, diante da transitoriedade das coisas, assume a tarefa de cristalizar significados — algo indispensável, não sendo eles concedidos por um Deus que é só ausência. Ao longo de mais de três décadas de atividade poética, Ayala se dedicará a esse encargo, à luz do qual se pode compreender sua incansável disposição para repensar a própria poesia: como encontrar o verbo em que se encerra o mundo? Em Os reinos e as vestes (1986), escreverá: “Dormem os vivos e estou vivo/ tecendo a malha do sono”.
Ante um Deus concebido como uma hipótese necessária — “Creio em mim. Creio em ti. Deus onde mora?/ Na vontade de crer que me consente/ humano e ardente”, escreve em Questionário (1967) — o poeta-Criador Ayala visita obsessivamente dois temas: o silêncio e a solidão. É um desterrado, como o são todos os homens; por isso, ninguém o ouve — e nada lhe responde o Deus-Narciso que, inebriado pela contemplação de si mesmo, jamais se revela. Na espécie de autobiografia literária que esboçou na Arte poética, Walmir relatou como abandonou a ilusão adolescente de “escrever poemas eternos” e passou a pousar “o coração da poesia na bandeja das coisas que passam”; o que, para ele, não significava poetizar o trivial, mas forjar com palavras sentidos que absorvessem as contingências em nome da plena afirmação da vida — ambiciosa e elevada tarefa que escapa aos olhos afeitos a trivialidades.