Vivemos na época dos grandes embustes. Sujeitos destituídos de musicalidade cometem pseudocanções e são cultuados, canastrões passam a ser identificados como atores relevantes, seres semi-alfabetizados posam de escritores, indivíduos que não lêem assinam resenhas etc. Talvez, durante o decorrer da história isso tenha acontecido, mas agora a situação se agravou. Os grandes grupos de comunicação elegem fulanos e sicranos, impondo-os como necessários e indispensáveis. E a malha literária brasileira está repleta de casos de propaganda enganosa, de medíocres apontados como promissores e talentosos. As mais recentes fraudes da literatura brasileira são, entre tantos, Altair Martins, Marcelo Mirisola, Ruy Castro, Antônio Calloni e Ricardo Corona. Esses pseudoescritores podem até ser admirados pelos amigos e namoradas, mas a produção deles não ultrapassa nem o limite daquilo que é considerado sofrível, mediano, medíocre. Uma outra personalidade do universo das letras que está ocupando espaço demais na mídia é Fernanda Young. Ela acaba de publicar a pseudonarrativa O efeito urano.
Um dos maiores problemas de O efeito urano, além do título horroroso, é o enredo. O casamento da jornalista Cristiana com o psicanalista Guido é bem resolvido intelectualmente, porém frio. Isto dá margem para que a esposa sinta necessidade de experimentar algo diferente como, por exemplo, uma relação com outra mulher. E o desenrolar da trama mostrará o envolvimento entre Cristiana e Helena. Existe situação mais clichê do que uma pessoa casada se entediar com o parceiro e buscar amante? Obviamente, enredos simples podem render excelentes obras, ainda mais com um ingrediente explosivo, sendo as amantes do mesmo sexo. Mas não é o que acontece em O efeito urano.
O tema, homossexualismo, é mal aproveitado. Fernanda Young, por exemplo, não apresenta um olhar inédito sobre o assunto nem explora o impasse de um homossexual dentro de uma sociedade repressora e preconceituosa. A autora limita-se a revelar o que uma personagem sente pela outra e, o que é lamentável, descreve pornograficamente transas do casal de lésbicas. Do primeiro beijo para o desvario da paixão e a desilusão, tudo é tratado ingenuamente. Dá a impressão de que Young quis chocar os leitores e, se realmente esta foi a intenção, o resultado é nulo, pífio, ineficiente. Casos de amor envolvendo homossexuais há tempos estão em cartaz na televisão em horário nobre e na mídia impressa, e o assunto não causa mais espanto, de tão banalizado que se tornou.
Outro aspecto negativo de O efeito urano é a opção narrativa, ora em terceira pessoa por meio de uma narradora distanciada, ora pela personagem Cristiana em primeira pessoa. O recurso, apesar de convencional, funcionaria se fosse utilizado com competência, o que não é o caso. Fernanda Young não domina nenhum tipo de narrativa, literariamente falando, e embaralha as vozes. E tem mais. Ao ter inserido aleatoriamente piadas sem graça a autora destruiu o enredo. Na página 88, em meio a uma discussão entre Guido e Cristiana, surge um diálogo, digamos, engraçadíssimo: “— Despirocou? / — Despirocou. / — Despirocar é o quê? Não ter mais contato com pirocas?”. A situação vai piorando e, na página 111, aparece outra pérola: “O que pobre, sapatão e perua têm em comum? Resposta: Cachorro”. Se o objetivo fosse fazer um roteiro para televisão ou cinema, assim mesmo as pseudopiadas continuariam sendo ruins, mas funcionariam. Mas como O efeito urano é um livro, e tem sim pretensões literárias, definitivamente, o recurso não é conveniente.
Enquanto a tendência da prosa contemporânea é o texto ágil, enxuto e leve, Fernanda Young segue na contramão. Não pelo fato de estar com alguma proposta alternativa, mas por ser extremamente incompetente. O texto dela é lento, prolixo e pesado, enfim: chato. Se houvesse um editor, O efeito urano não teria as 142 excessivas páginas, no máximo a metade. Outra solução seria solicitar que Young reescrevesse tudo. Há palavras de “baixo calão” desnecessárias, frases inconvenientes e, sobretudo, um diálogo entre Cristiana e Guido que tem início na página 74 e vai até a página 95. Trata-se de um bate-boca em que o assunto é a crise do casal, e que poderia ser resolvido em no máximo cinco páginas. São 21 páginas de blablablá perfeitamente dispensáveis. Naturalmente, tanta prolixidade cansa o leitor e dificulta a fluência do texto. Dificilmente alguém consegue avançar mais de cinco páginas por dia sem se sentir exausto, entediado, tendo a impressão de que está perdendo tempo.
Depois de ler este e os outros livros de Fernanda Young, é possível sentenciar que ela não é uma artista. Young não pode ser incluída na categoria dos seres que sentem a necessidade, talvez biológica, de se manifestar por meio de uma atividade, seja música, teatro, dança ou literatura. Todos os indícios dão a entender que foi construída uma imagem de artista para Young, e ela está representando o papel de escritora, escrevendo cada vez mais besteiras. E algumas pessoas, supostamente especializadas em literatura, encontram adjetivos para classificá-la, entre outras coisas, de ousada. Literariamente, há outras maneiras de revelar ousadia. Um exemplo é o escritor Domingos Pellegrini. Agora que a moda são os romances urbanos tratando da violência nos grandes centros, em que todos são iguais a todos, pouco importando se o nome impresso na capa do livro é Patrícia Melo, Tony Bellotto ou Garcia-Roza, nesse mesmo contexto, Pellegrini escreve O caso da chácara chão (Record), romance que tem como tema, entre outros assuntos, a violência, mas tendo o interior do Paraná como cenário. Isto sim é ousadia, não um enredo urbanóide mal escrito. Ousadia maior seria se ela agisse como Jamil Snege, talvez um dos mais competentes prosadores brasileiros de todos os tempos, que insiste em publicar seus brilhantes livros por editoras de fundo-de-quintal com tiragens limitadas. Mas daí não seria apenas ousadia.
O efeito urano tem uma qualidade: a diagramação e o projeto gráfico. Mas não passa disso. E é justamente este detalhe que ajuda a explicar que O efeito urano não é um livro, mas um produto descartável com defeito de fabricação. Não há literatura ali. A obra é fruto do desejo por lucro fácil e imediato por parte das grandes editoras. Depois que as coleções Plenos pecados e Literatura ou morte se revelaram rentáveis, as empresas que comercializam livros passaram a apostar cada vez mais nesse filão. O sistema é bastante simples: basta convidar medalhões para escrever sobre um tema específico. O efeito urano faz parte de uma armação intitulada 5 dedos de prosa, e teve como ponto de partida o dedo médio. Se hoje temos de agüentar esta e outras propostas, sobre cidades e crimes, quem sabe amanhã não apareçam outros empreendimentos lítero-financeiros sobre as cores do arco-íris, as notas musicais, os animais da arca de Noé, os planetas ou as letras do alfabeto?