Por alguns dias, fui uma adolescente na época do seu primeiro amor. Retornei com afinco para a melancolia perturbadora de não saber o que fazer, sentir ou mesmo dizer. É essa sensação sinestésica que aparece em cada linha de Me chame pelo seu nome, do ítalo-americano-egípcio André Aciman.
Em uma cidade na costa da Itália, somos apresentados a Elio, um menino de 17 anos, filho de professores universitários que sempre abrem sua casa nas férias de verão para potenciais artistas e estudantes. Eles recebem Oliver, um americano de 24 anos que, escritor e filósofo, chega com seus trejeitos fixos e questões filosóficas.
Apesar de, nitidamente, ter como foco as questões amorosas que nos impedem de pensar com tanta racionalidade, a obra narrada em primeira pessoa por Elio não é apenas uma história de amor: é também sobre alguém — quase em um texto proustiano — que, para conhecer a si mesmo, se escava profundamente. Inclusive, é de tanto cavar que as experiências ditas e vividas (acompanhadas linha a linha até o final) nos fazem ficar à flor da pele e, por muitas vezes, nos trazem a identificação das épocas as quais somos sugados pelos nossos próprios e intensos sentimentos.
— Você gosta tanto de mim assim, Elio?
— Se eu gosto de você?
Eu queria parecer incrédulo, como se não acreditasse que ele fosse capaz de duvidar de algo assim. Mas então pensei melhor e estava prestes a suavizar o tom da resposta com um Talvez significamente evasiva que na verdade queria dizer Com Certeza, quando soltei:
— Se eu gosto de você, Oliver? Eu idolatro você!
Possivelmente com isso em mente, o autor nos apresenta um personagem que, além de jovem, está passando por este momento de descoberta. Citando com frequência a máxima do filósofo Heráclito — que um corpo nunca se banha duas vezes em um mesmo rio, tanto pela água quanto pelo próprio Ser já alterado, crescido —, a obra nos traz essa mistura de dúvidas, de ambiguidade, do sim, do não, do fazer ou não fazer, da mudança para identificarmos quem somos e o que queremos.
Para virarmos o outro
Com poucos diálogos, mas páginas e páginas descritas em detalhes através da figura do protagonista Elio, que segue em mistos de raiva e gostar, de vontades sexuais intensas às vezes com Oliver, às vezes com Marzia (“não fomos escritos para um único instrumento”), vamos sentindo, junto com a narrativa, “a nítida sensação de ter chegado a um lugar muito estimado, de querer aquilo pra sempre (…) cada arrepio”.
Pelas mãos de Luca Guadagnino (100 Escovadas antes de dormir) e James Ivory (Uma janela para o amor), o livro virou filme e levou pra casa a estatueta do Oscar como Melhor Roteiro Adaptado, ficando neste mesmo lugar de sutileza, com elipses para cenas de amor e erotismo, além de deixar claro — quando falamos de paixões e amores — que somos todos bem parecidos.
A partir disso, vamos lembrando de como desejamos que cada átomo nosso vire do outro, como — enquanto apaixonados — gostamos (ou gostaríamos) de virar uma membrana permeável da outra pessoa; ou de sermos chamados pelo nosso nome e, em uma busca infinita por sermos imortais, jamais nos deixamos ser esquecidos, “nos anos que viriam, caso ainda tivesse o livro, queria que ele sentisse saudade. Melhor ainda, queria que alguém que estivesse olhando seus livros um dia abrisse aquele pequeno volume de Armance e perguntasse: Quem estava em silêncio em algum lugar na Itália em meados dos anos oitenta?”.
No fim, André Aciman (o autor estará na Flip deste ano) traz personagens que nos fazem enxergar e cavar nossas próprias incertezas, no maior estilo de leitores que se escondem para viver o mundo do outro. Mas, nas palavras do pai de Elio, obrigar-se a não sentir nada, esvaziar-se de sentimentos para conseguir (sobre)viver neste mundo com falta de amor… “Que desperdício!”.