O melhor amigo do uísque

Que o Jaguar é um inefável maluco ou um gênio da birita, todo mundo que acompanha seus cartuns sabe
01/09/2001

Que o Jaguar é um inefável maluco ou um gênio da birita, todo mundo que acompanha seus cartuns sabe. Que suas histórias são inusitadas, todos que acompanharam a trajetória do Pasquim já sabiam. Agora, que ele é tão bom escritor quanto bebum, isso nem o mais ébrio cartunista imaginaria. Jaguar tem histórias e soube contá-las com maestria, no melhor estilo papo de butiquim, em seu último Confesso que bebi — Memórias de um amnésico alcoólico (Record, 160 págs.).

Acreditem, o Jaguar é dessas figuras que raramente se vê por aí. Curiosamente, para alguém que nunca estava presente, devido ao teor alcoólico injetado diariamente em seu sangue, Jaguar participou de fatos importantes do jornalismo brasileiro — ou carioca, sei lá — simplesmente por não estar ausente. Uma espécie de Forrest Gump influente e superdotado.

Vejamos: Nos anos 60, ele trabalhava no Banco do Brasil, e era companheiro de copo de, nada mais nada menos, que Sérgio Porto, depois famoso como Stanislaw Pontepreta. Virou ilustrador oficial de seus livros. Mais? Fundou o Pasquim, a revista Senhor, lançou cantores como Fagner e Belchior e recusou publicar os primeiros livros de Paulo Francis.

Outro exemplo de que Jaguar não é um qualquer, é que nasceu num dia 29 de fevereiro. Convenhamos, não é todo dia que nasce alguém em 29 de fevereiro. Data incomum, como seu talento para o humor, e seu gosto pelos destilados. No clássico Retratos 3X4 de amigos 6X9, Millôr Fernandes afirma que Jaguar “locomove-se em 3 direções completamente neutras, nem por isso impraticáveis”. Duas delas bem conhecidas, o cartum e a boemia. A terceira é a de escritor, como prova este seu livro, uma espécie de “roteiro afetivo dos bares da cidade”, como diz na orelha. Da cidade do Rio de Janeiro, mas com algumas incursões por São Paulo, também.

É uma quase-biografia do cartunista, que percorreu os bares de sua vida para escrever o livro. As indicações de botecos, bebidas, pratos típicos, entre outros, vêm acompanhados de histórias deliciosas — para rebater, como num feliz encontro entre chopp e steinhager duplo. Entre outras, tem a de seu companheiro de copo, que sempre esquecia a perna mecânica no táxi depois da noitada. Ou o folclórico encontro de Jaguar com Groucho Marx. É sério, está no livro, é só ler.

Mais histórias? Numa tarde na editora Codecri, estava lá ele, bebericando com Tarso de Castro, quando entra um cucaracha alto e bigodudo. “Tengo un libro e gostaria de publicar”. Tarso olha o sujeito e responde: “Não publicamos livros de cucarachas”. Passaram-se alguns anos, descobriram que o livro era Cem Anos de Solidão, e o cucaracha, García Márquez. Outra clássica é a de um dia ter matado um homem, ao jogá-lo de uma ribanceira. Outra é a de perder um emprego na Folha de S. Paulo por dormir debaixo da mesa do Otávio Frias Filho.

Algumas dessas histórias estão no livro, outras, no arquivo mental de Jaguar. Detalhe: é preciso que alguém escreva sua biografia, antes que o velhinho resolva ir embora. Por sinal, ele quer ser cremado e ter suas cinzas espalhadas pelos botecos em que bebeu. “Mas vai faltar cinza”, dizem os amigos. “Ora, queimem um cavalo junto, pra completar”, sentencia. Confesso: é um cardápio de botecos e histórias. Uma bíblia etílica de bolso.

Benett

É cartunista dos jornais Primeira Hora, Gazeta do Povo e Diário dos Campos

Rascunho