O início é o fim é o começo

“A história do vai e volta” liga os pontos da memória para mostrar que tudo passa e retorna
Ilustração de Adriana Alves/Reprodução
01/08/2013

Muito provavelmente, olhando bem de perto, várias famílias teriam histórias maravilhosas que serviriam para ilustrar inúmeros romances. Basta encostar o cotovelo no balcão de um bar e ficar com os ouvidos atentos. Os “causos” ali relatados encheriam páginas e páginas e, às vezes, duvidaríamos até se teriam acontecido de verdade. Encontraremos referências a histórias já narradas por escritores famosos — no caso de Curitiba, em muitos bares pensamos estar ao lado dos personagens de Dalton Trevisan falando sobre um microconto seu. Em outros momentos, percebemos ali um material bruto que, se lapidado, daria uma boa narrativa.

A memória familiar é a matéria-prima de que faz uso Tiago de Melo Andrade em seu livro mais recente, A história do vai e volta, ilustrado por Adriana Alves. Nele, Tiago conta a história de um clã familiar desde o seu início — ou melhor, desde o momento em que o escritor nos apresenta a família — até o seu fim, que não chega a ser definitivo. A obra realiza vários saltos à frente e para trás não no intuito de confundir, mas para mostrar que todos os pontos podem ser ligados, independentemente de quando possam ter acontecido.

Ilustração de Adriana Alves/Reprodução

Desdobrando o tempo
O eixo central é o casamento entre o Barão Estrada e Araci Mendonça. Ele é um homem feio mas cheio de charme, inteligente e trabalhador. Araci é uma bela mulher, cheia de opiniões e decisões. Sem que o autor forneça datas, descobrimos que o romance entre os dois começa mais ou menos à época de D. Pedro I, em um Brasil independente mas que copia todas as modas e maneiras da Europa. O futuro Barão e Araci se conhecem, se casam e, por conta de uma morte na família, resolvem desbravar o interior do país, onde Estrada herdou uma fazenda. Nesse lugar, que depois seria chamado de Aprazível, o Barão usa de toda a sua inteligência para transformar um ermo largado à natureza em uma propriedade produtiva, capaz de prover o sustento de sua família.

Tiago parte desse ponto inicial para então perfilar uma série de causos que poderiam ter acontecido com a sua família ou com qualquer outra. Ao colocar os diversos membros do clã Estrada como protagonistas de várias histórias, e tomando o cuidado de ligá-las para compor um quadro familiar único, o autor vai desdobrando o tempo e mostrando que as coisas feitas hoje têm conseqüência amanhã.

Tem um pouco de tudo nessa família. O Barão é um empreendedor que acaba deixando seus pares de lado em busca de um sonho. Araci é a matriarca que tudo sabe e que conta com a ajuda do divino e do esotérico. Heitor, o primogênito do Barão, é quem conseguirá contornar o momento ruim da família e reerguê-la da penúria. Arminda é a sonhadora que tem um caso com um cigano. Francisco é o irmão perdulário que quase põe a herança a perder.

Esses são os personagens com que convivemos mais tempo, e por isso conseguimos conhecer e gostar mais deles, já que estão presentes na construção e no declínio do Aprazível. Apesar de a história se alongar no tempo, é nesse período — que se fosse contado em anos normais duraria quase um século — que está concentrada a narrativa e o pilar de sustentação para todo o livro.

 

 

Ilustração de Adriana Alves/Reprodução

Fechar o círculo
Quando o Aprazível começa a se mostrar inviável, ou pelo menos não ser mais a cidade progressista e bonita imaginada pelo Barão e erguida pelo filho Heitor, o livro acelera o ritmo para dar saltos em direção ao futuro e continuar a saga da família. No entanto, os personagens não são mais tão carismáticos, e o autor passa por eles rapidamente. Não dá tempo para criar empatia com Jaqueline, por exemplo, a última pessoa de pele branca na Terra. Essa pressa do autor em resolver a questão da circularidade de seu romance tira um pouco da poesia que está presente no início do texto.

Do mesmo modo, a necessidade de se fechar um círculo para a história dos Estrada acaba criando um final meio forçado. A presença de alienígenas, abduções, revoltas e colonização de novos mundos, ainda que tenha um paralelo com a construção do Aprazível, não combina com o restante da saga, que tem tudo a ver com a nossa própria história e que por isso nos agrada tanto. Parece um fecho improvisado, nascido a fórceps como Heitor, mas que não combina com o restante do conjunto.

As ilustrações de Adriana Alves são bonitas e ajudam a criar a circularidade da história ao ultrapassarem os limites da página e interligar diversos momentos de maneira visual. Há também um belo trabalho de diagramação que torna o livro bonito de se ver e manusear.

A história do vai e volta é um livro gostoso, com mais momentos positivos que negativos. Apesar de estar classificado como um livro infanto-juvenil, pode ser apreciado por leitores de qualquer idade em busca de uma história legal — na maior parte do tempo, bem contada, com um final que acaba meio que atropelando o ritmo, mas sem chegar a prejudicar o todo.

A história do vai e volta
Tiago de Melo Andrade
Ilustrações: Adriana Alves
Melhoramentos
168 págs.
Tiago de Melo Andrade
Nasceu em São José do Rio Preto (SP), mas vive em Uberaba (MG). Formado em Direto, aos 22 anos, ganhou o Prêmio Jabuti de autor revelação no ano de 2001. O autor tem mais de 30 livros dirigidos ao público infanto-juvenil, entre eles A caixa preta, O ovo do elefante, a série estrelada pelo personagem Gabi Você fala javanês? e Carne quebrada.
Adriano Koehler

É jornalista. Vive em Curitiba (PR).

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